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Interpelação Escrita

 

A Direcção dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) emitiu, em 11/10/2012, o Ofício-Circular n.º 1210110001/DIR, em anexo.

 

O assunto do referido Ofício, que foi enviado a todos os Serviços públicos, é: «Dever de sigilo – Tratamento, transporte e arquivo de documentos».

 

No ponto 5 do Ofício é exposta uma interpretação da norma contida no n.º 7 do artigo 279.º do ETAPM, a qual, por sua vez, define o conteúdo do dever de sigilo.

 

A referida disposição reza o seguinte:

 

«7. O dever de sigilo consiste em guardar segredo profissional relativamente aos factos de que tenham conhecimento em virtude do exercício das suas funções e que não se destinem a ser do domínio público.»

 

Quanto ao ponto 5 do Ofício, diz textualmente o seguinte:

 

«5. O dever de sigilo deve ser entendido em sentido lato, isto é, abrange duas figuras jurídicas distintas mas afins: o sigilo profissional e a confidência.

O sigilo profissional é aquele que incide sobre factos de natureza reservada ou classificada (assuntos confidenciais, secretos ou muito secretos).

 

O dever de confidência consiste na obrigação de não revelar a terceiros factos ou documentos a que não deva ser dada publicidade, não só devido à natureza desses documentos, como pelo facto de a pessoa que os divulga não ter competência para o fazer, ainda que não sejam confidenciais…».

 

O ponto 6 do Ofício, após mencionar as penas gravosas em que poderão incorrer os trabalhadores pela violação do segredo, com uma indisfarçável intenção de os amedrontar e amordaçar, fornece o seguinte exemplo:

 

«Assim, viola o segredo profissional o trabalhador que tira fotocópias ou fotografa documentos do serviço, ainda que não confidenciais e que os divulga, por exemplo, dando uma cópia a um amigo ou os envia por meios electrónicos, ou os divulga na internet

 

Da comparação entre o teor literal da disposição acima citada e esta explicação ressalta o facto de o Ofício incluir no âmbito do dever de sigilo a proibição de um trabalhador revelar ou divulgar factos ou documentos mesmo quando a natureza destes não justifique tal proibição, ou seja, mesmo quando os factos ou documentos, afinal, «se destinem a ser do domínio público». Com efeito, o Ofício considera essa proibição extensiva aos casos em que, embora os factos ou documentos se destinem a ser do domínio público, o trabalhador em causa não tenha «competência» para fazer a sua divulgação ou revelação. Trata-se, inequivocamente, de uma interpretação extensiva da norma em questão. Sendo esta uma norma restritiva da liberdade de expressão, a sua interpretação, segundo as concepções liberais inspiradoras dos Estados de Direito, deveria ser norteada pela preocupação de reduzir ao mínimo indispensável o sacrifício imposto àquela liberdade, em obediência aos conhecidos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade. 

 

Por outro lado, a conjugação do ponto 5 com o exemplo dado no ponto 6 parece revelar uma deficiente compreensão do conceito jurídico de «competência».

 

A competência é um conjunto de poderes atribuída por lei a um órgão administrativo, com vista à realização de determinados fins ou interesses públicos.

 

Trata-se de poderes funcionais e, portanto, enquadrados no exercício de uma função, e de uma função pública neste caso, administrativa –, e não na condução da vida pessoal.

 

No exemplo dado, o trabalhador, não só não estaria a exercer uma competência sua, como também não estaria a exercer uma competência de qualquer outro órgão nem tão-pouco a actuar como se pretendesse exercer alguma competência, nomeadamente, administrativa; estaria simplesmente a exercer direitos, a liberdade de expressão e, eventualmente, o direito de queixa; mesmo que porventura estivesse a ultrapassar o âmbito de protecção normativa desses direitos, estaria, ainda assim, a actuar com a intenção de exercer esses direitos, e não quaisquer competências administrativas.

 

Por outro lado, alguns dos grandes problemas da administração pública foram referidos na abertura do novo ano judiciário, no dia 18 de Outubro de 2012, tendo algumas chefias sido acusadas, pelos mais altos operadores de direito, de «incapacidade», «incompetência» e de ao não assumirem os seus actos de violação da lei abusarem dos tribunais ao transferirem os casos para os órgãos judiciais.

Estes problemas que prejudicam Macau e os trabalhadores não são resolvidos e agravam-se. Contudo, os recursos da administração são usados, como prova o Ofício, com a intenção de amedrontar os trabalhadores comuns, instalar o medo e a mordaça.

 

Existem grandes problemas que afectam a vida da população de Macau, por exemplo: o aumento da inflação e a especulação imobiliária, uma vez que os preços do arrendamento e da compra de apartamentos é muito superior ao salário dos trabalhadores comuns e isto apesar de os terrenos pertencerem ao Estado e serem concessionados pelo Governo a privados; a dificuldade dos cidadãos no acesso à prestação de cuidados de saúde devido à falta de profissionais competentes e à não construção de hospitais públicos; o alto nível de reprovações dos alunos, em termos comparativos a taxa de reprovações em Macau é, de acordo com dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento), a mais elevada se comparada com outros países regiões; a não aprovação de uma lei sindical, o Governo nunca apresentou uma proposta de lei sobre esta questão e quando, como deputado eleito directamente, apresentei projectos de lei na Assembleia Legislativa sobre esta matéria deputados nomeados pelo Chefe do Executivo abstiveram-se, o que equivale a votar contra; uma lei das relações de trabalho da iniciativa do Governo prejudicial, em certos aspectos, para os trabalhadores, por exemplo ao consagrar o despedimento sem justa causa ou o reduzido número de férias anuais previsto, apenas 6 dias, sendo que os direitos do trabalho são direitos humanos.

 

Estes problemas, para os quais tenho interpelado de forma escrita o Governo há longo tempo, vão-se arrastando sem que sejam resolvidos;

 

Entretanto, a administração desperdiça recursos e dedica-se a instalar o medo e a mordaça entre os trabalhadores.

 

Assim sendo, interpelo o Governo, solicitando, que me sejam dadas respostas, de uma forma CLARA, PRECISA, COERENTE, COMPLETA e em tempo útil sobre o seguinte:

 

1. Quais as razões que levaram os SAFP a emitir o Ofício-Circular n.º 1210110001/DIR, bem como o solicitar aos dirigentes dos outros Serviços Públicos que obrigassem os respectivos trabalhadores a confirmar, mediante assinatura, a tomada de conhecimento do Ofício, incluindo as razões de facto para a emissão do Ofício-Circular e se esta emissão pelos SAFP traduz o cumprimento de uma ordem da SAJ ou do CE?

 

2. Quais os elementos de interpretação em que os SAFP se basearam para procederem à interpretação extensiva da norma contida no n.º 7 do artigo 279.º do ETAPM nos termos em que a fez, designadamente incluindo no seu âmbito a revelação ou divulgação de factos ou documentos cuja natureza não se oponha a tal revelação ou divulgação; por outras palavras, como é que os SAFP sustentam juridicamente tal interpretação?

 

3. Qual o entendimento do Governo relativamente aos casos em que um trabalhador da Administração Pública relate um facto ou o conteúdo de um documento, ou envie ou mostre cópia deste, a um deputado à Assembleia Legislativa (AL), ao Comissariado contra a Corrupção (CCAC), ao Comissariado de Auditoria (CA), ao Ministério Público ou a um tribunal, atendendo aos poderes de fiscalização que a AL, o CCAC e o CA têm relativamente à Administração Pública, às funções que o Ministério Público e os tribunais desempenham na defesa da legalidade e na administração da justiça e aos direitos impugnatórios de que os trabalhadores da Administração Pública, na sua posição de particulares, isto é, enquanto administrados, gozam exactamente como quaisquer outras pessoas; por outras palavras considera o Governo que a doutrina exposta no Ofício abarca esses casos?

 

  

O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de

Macau aos 29 Outubro de 2012.

 

 José Pereira Coutinho

 

 

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