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INTERPELAÇÃO ESCRITA

 

Apresentei uma interpelação escrita em 15 de Setembro de 2011, relacionada com as ilegalidades mencionadas no relatório do CCAC aquando da atribuição de sepulturas perpétuas.

O caso foi despoletado após queixas de particulares e, em síntese, parte dos seguintes factos:

 

a) Nos meses antecedentes ao estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM) a actual Secretária para Administração e Justiça (SAJ), que então era Directora de um Serviço Público, pediu ao então Leal Senado a concessão de uma sepultura perpétua no Cemitério. O pedido foi indeferido.

Posteriormente, já em finais de 1999 (Parecer Nº 072/SAZV/99) de 13.07.1999 e já se sabendo que iria ser indigitada no cargo de SAJ após a transferência de administração, voltou a efectuar um novo pedido por via de um outro familiar directo, tendo este sido concedido com a fundamentação de condição excepcional “atendendo à situação política do Território de Macau” no valor de MOP$30.000,00 (trinta mil patacas).

 

b) Em 2001, com base num Regulamento Interno que veio a ser considerado ilegal pelo recente relatório do CCAC foram concedidas mais dez sepulturas, sendo uma delas atribuída a um familiar de uma assessora da SAJ e amiga de longa data. E as restantes 8 foram atribuídas a familiares de pessoas que trabalharam nos Serviços onde a SAJ tinha sido Directora.

 

Posteriormente um particular apresentou um pedido de concessão de uma sepultura para um seu familiar tendo sido o pedido indeferido. O que motivou a apresentação de legítima queixa.

 

Antes da divulgação do relatório e após o caso ter sido divulgado publicamente, a SAJ emitiu uma Nota de Imprensa, em anexo, referindo que estava tudo legal, mas não propôs medidas concretas para uma investigação independente e objectiva, nem sequer foi instaurado um processo de inquérito administrativo para repor a verdade dos factos.

 

Na referida interpelação que apresentei coloquei perguntas claras e precisas. Se face aos factos apurados no relatório, elaborado pelo CCAC, de investigação sobre a atribuição de dez (10) sepulturas perpétuas pela ex-Câmara Municipal de Macau Provisória, e que claramente demonstram que a entidade tutelar não cumpriu o princípio da legalidade e que se verificaram irregularidades na atribuição das sepulturas o que, aliás, contraria os esclarecimentos prestados, anteriormente, pela SAJ, o Chefe do Executivo ia assumir as suas responsabilidades e substituir a SAJ?

Perguntei também se o Chefe do Executivo ia diligenciar no sentido de expurgar as ilegalidades e irregularidades verificadas no relatório, elaborado pelo CCAC por via de uma comissão independente, com garantias de imparcialidade e credível e que medidas concretas ia o Chefe do Executivo tomar? Na terceira pergunta questionava que medidas tencionava o Chefe do Executivo tomar face aos pedidos interpostos pelos particulares e que tinham sido indeferidos?

 

Na resposta à interpelação escrita referida, assinada pela Chefe de Gabinete da SAJ, não se respondeu às questões que coloquei.

 

É dito na resposta, em síntese, que não houve abuso de poder por parte da SAJ questão que nem constava das perguntas que coloquei e que não foram respondidas. Contudo, em nossa opinião o relatório do CCAC não diz exactamente isso. Consultando a página 110 há uma expressão não há condições, na presente fase, para comprovar a prática de abuso de poder por parte da entidade tutelar” e depois até é evocada a prescrição em caso de se obter provas.

 

Na resposta à interpelação escrita, a SAJ também diz que não existia qualquer diploma legal que previsse a obrigação da submissão da decisão de atribuição das sepulturas à entidade tutelar para a respectiva homologação, pg. 89 do relatório.

 

Mas a SAJ esquece que o citado parágrafo do relatório continua e refere: «Todavia, em relação à aprovação do regulamento interno atrás referido por parte da Câmara Municipal, esta devia, em conformidade com o n.º 5 do artigo 12.º da Lei n.º 24/88/M, de 3 de Outubro, remeter a acta à entidade tutelar no prazo de 5 dias. Com base nisto, a entidade tutelar tinha condições para tomar conhecimento daquele regulamento;

 

No caso de não ter sido submetida a acta à entidade tutelar para a respectiva homologação (constituindo esta uma prova da aprovação do regulamento interno atrás referido), é óbvio o incumprimento das disposições legais. Tendo em conta que, para além de ter obrigações e condições para tomar conhecimento da falta cometida pela Câmara Municipal, no que se refere ao incumprimento da lei, a então entidade tutelar tinha ainda condições para zelar pelo cumprimento do princípio da legalidade por parte da entidade tutelada (vide o n.º 1 do artigo 47.º da Lei n.º 24/88/M), deveria a mesma zelar pela submissão da acta por parte da Câmara Municipal. É de frisar que aquela lei não era recente e já existia desde 1988», pg. 90 do relatório.

 

Para além do que foi referido anteriormente, no relatório do CCAC e relativamente ao papel e aos poderes da SAJ, a entidade tutelar da Câmara Municipal Provisória que elaborou o regulamento interno ilegal que concedeu as 10 sepulturas, é, também, esclarecido o seguinte:

 

- «Suspeita-se que a autorização da respectiva atribuição tenha tido como contrapartida a oferta de vantagens ou tenha sido realizada sobre instruções superiores», página 88 do relatório;

 

- O Presidente referiu que «na apreciação dos pedidos nunca chegou a receber ordens ou sugestões externas, porque a Câmara é uma entidade autónoma e as decisões são homologadas pela Tutela com o apoio dos SAFP» página 88 e 89 do relatório;

 

- «O Presidente esclareceu que as decisões da ex-Câmara Provisória tinham que ser apresentadas à entidade tutelar para homologação», página 89 do relatório;

 

- O Regulamento Administrativo n.º 32/2001, de 18 de Dezembro, (Organização e funcionamento do Instituto para os Assuntos Cívicos e Municipais) estipula no n.º 1 do artigo 3.º que «as actas das reuniões dos órgãos do IACM devem ser remetidas à tutela no prazo de cinco dias após a sua aprovação», página 90 do relatório.

 

- Nos termos do artigo 47.º da Lei n.º 24/88/M de 3 de Outubro, um dos meios à disposição para o exercício dos poderes de tutela consistia na análise das actas dos órgãos municipais. A par disso conforme o n.º 5 do artigo 12.º do mesmo diploma, as actas dos órgãos municipais devem ser remetidas à entidade tutelar no prazo de 5 dias após a sua aprovação, página 104 do Relatório.

 

Tendo em conta esta competência da entidade tutelar retiram-se as seguintes conclusões:

 

a) A Ex-Câmara Municipal submeteu as respectivas actas onde foram aprovadas os dez pedidos de sepulturas com base no Regulamento Interno à entidade tutelar. No entanto a entidade tutelar, ou não procedeu à respectiva apreciação, ou procedeu a uma apreciação deficiente, não tendo detectado qualquer problema. Neste caso, a entidade tutelar deveria assumir a respectiva responsabilidade, página 104 do Relatório.

 

b) Uma outra possibilidade é a da Câmara Municipal não ter submetido à entidade tutelar as suas actas devendo neste caso as respectivas responsabilidades ser imputadas ao Presidente da Câmara Municipal que autorizou as atribuições das sepulturas em causa; no entanto a entidade tutelar teria o dever de pedir a submissão das respectivas actas por parte da entidade tutelada,página 104 e 105 do Relatório.

 

Note-se que os vícios do referido "Regulamento Interno" de atribuição das sepulturas estão discriminados na página 57 do relatório. Por exemplo, não se trata de um regulamento interno uma vez que produziu efeitos externos, não foi publicado nem a data de entrada em vigor foi prevista, nem a Câmara tinha competência para elaborar o regulamento em causa, pelo que a sua elaboração consubstancia a violação da Lei de Reunificação.

E na página 58 do relatório do CCAC é referido o seguinte: «Facto provado: Este "Regulamento Interno" foi aprovado por deliberação em 14 de Dezembro de 2001, mas o pedido do requerente de apelido Cheang tinha já sido (parcialmente) autorizado em 26 de Dezembro de 2000 foi posteriormente citado para a redeterminação das respectivas tarifas e para fundamentar a autorização dos outros pedidos de sepulturas perpétuas. Assim é inevitável que se suspeite que a aprovação destes pedidos tenha sido "feita sob medida", uma questão que iremos analisar posteriormente e detalhadamente».

 

Sobre o "Regulamento Interno" ver ainda o que é referido na página 74 do relatório. Tinham sido feito 10 pedidos para aquisição de sepultura perpétua, a ex-Câmara deliberou a aprovação do "Regulamento Interno" em 14 de Dezembro de 2001, dois dias úteis depois, 19 de Dezembro, terminou o prazo para apresentação de candidaturas. Nesse mesmo dia elaborou-se a proposta que foi confirmada pelo Presidente da Câmara no primeiro dia útil seguinte, 21 de Dezembro, porque dia 20 foi feriado. Que interesses determinaram esta velocidade relâmpago?

 

Note-se ainda, que a atribuição das dez sepulturas perpétuas aconteceu numa altura em que a Câmara Provisória estava prestes a extinguir-se, daí a entidade tutelar poder emitir orientações à ex-Câmara para se abster de tomar grandes decisões, páginas 102 e 103 do relatório.

 

Dúvidas não restam que a entidade tutelar, a SAJ, tinha de exercer a sua competência tutelar sobre a decisão de atribuição das sepulturas perpétuas. Tudo isto pôs em causa o princípio da imparcialidade e a confiança dos cidadãos na Administração Pública, a imagem e o bom nome da administração.

 

Na referida resposta à minha interpelação escrita, e tentando explicar a criação de um Grupo de Trabalho criado pela SAJ após a divulgação do relatório do CCAC para acompanhar as conclusões do relatório, decisão que refutamos, a Chefe de Gabinete da SAJ refere que «nos termos do artigo 59.º da Lei Básica, o CCAC funciona como órgão independente, livre de qualquer interferência. Assim sendo, o relatório elaborado pelo CCAC depois de uma longa investigação, merece o devido respeito por parte de qualquer entidade pública ou privada».

Este argumento também foi tornado público num comunicado da SAJ difundido pelo Gabinete para a Comunicação Social em 2/11/2011.

 

Mas independência não significa monopólio ou exclusividade. O facto de o CCAC ter competência para investigar e dever fazê-lo sem interferência não significa que só ele possa investigar, do mesmo modo que o facto de o MP ou o juiz de instrução terem competência para investigar não impede que outras entidades investiguem. Por exemplo, o facto de estar a decorrer uma investigação a cargo do CCAC ou do MP com vista a um procedimento criminal não impede que a Assembleia Legislativa realize um inquérito parlamentar com vista à responsabilização política ou que uma entidade administrativa efectue uma averiguação ou inquérito com vista ao apuramento de eventuais responsabilidades disciplinares.

 

Se tivesse sido um trabalhador da administração a ser acusado, num relatório do CCAC, de ilegalidades e irregularidades já teria sido suspenso das funções e instaurado um processo disciplinar.

 

É um facto que o CCAC não podia no seu relatório, apesar das ilegalidades apontadas à entidade tutelar, resumidas na página 121 do relatório, propor que a SAJ pusesse o seu lugar à disposição ou que fosse substituída. Verificadas as ilegalidades referidas no relatório cabia à SAJ ou ao Governo tirar as devidas conclusões.

Como se sabe o princípio da legalidade, previsto no artigo 3.o do CPA, é o princípio mais importante da actuação da administração: a Administração Pública deve obedecer à Lei e ao Direito.

 

Perante as ilegalidades mencionadas no relatório o que podia ter acontecido era a SAJ colocar o seu lugar à disposição ou então o Chefe do Executivo propor a sua substituição. Tenha-se ainda em conta que a SAJ declarou inicialmente perante os meios de comunicação ter desconhecimento do caso das campas.

 

Para além disto, no referido comunicado do Gabinete para a Comunicação Social, de 2/11/2011, a SAJ vem também esclarecer que não houve qualquer extravio de documentos relacionados com o processo de atribuição das sepulturas.

Lembramos, que há mais de um ano foi público o seguinte: «o IACM apresentou uma queixa à Policia Judiciária (PJ) sobre documentos classificados pertencentes ao instituto sob a alçada da Administração e Justiça, dando voz a Chan. A secretária referiu que havia a suspeita de que os documentos tinham desaparecido. “Mas não tínhamos provas”, disse. As certezas surgiram quando “o deputado Pereira Coutinho e o jornal [O Clarim] anunciaram [os documentos]”. Quer isto dizer, continuou Chan, que “o IACM tem provas suficientes de que houve documentos que saíram do serviço”». (Rádio Macau e jornal Ponto Final de 13 de Setembro de 2010).

 

Como deputado eleito directamente tenho o dever de fiscalizar o Governo e foi isso o que fiz neste processo. Fui acusado e até um jornal e um jornalista foram, injustamente, atacados. Esta acusação do desaparecimento dos documentos pressupunha a prática de um crime.

Tudo parte de um processo em que primeiro se diz que está tudo legal, depois se ataca um deputado e até um jornal e agora afinal «as provas suficientes de que houve documentos que saíram do serviço» desaparecem.

Aliás este recuo recente da SAJ dizendo que não desapareceram os documentos só acontece após a divulgação do relatório do CCAC e após uma interpelação escrita de um deputado, datada de 30/9/2011.

Esta alteração de posição leva a questionar desde quando é que a SAJ sabia que não tinham sido extraviados documentos? Por que motivo não esclareceu antes que afinal não se tinham extraviado os documentos? Por que motivo não retirou a queixa apresentada na PJ e deixou que esta entidade, a PJ, a quem foi apresentada a queixa andasse a perder tempo, durante mais de um ano, para descobrir um crime que afinal nunca existiu, só existiu na imaginação da SAJ?

 

Continuando na sua estratégia de negar os factos, dizer que está tudo legal e inventar conspirações para desviar a atenção da sua responsabilidade no caso, a SAJ, após a divulgação do relatório do CCAC e em recentes declarações à Rádio Macau, em que não quis comentar o pedido de um deputado na Assembleia Legislativa para uma audição sobre o caso, citadas por um jornal de 24 de Outubro de 2011, disse julgar «que o assunto está a ser aproveitado talvez para outros motivos por trás».

A bem da transparência governativa pergunto qual a razão porque afirmou que «o assunto está a ser aproveitado talvez para outros motivos por trás? Quais são os motivos que estão por trás?

 

Finalmente, não correspondem à verdade os pontos 3 e 8 da Nota de Imprensa emitida pelo Gabinete da Secretária para a Administração e Justiça no dia 10 de Agosto de 2010 na medida em que as disposições legais aí invocadas deixaram de vigorar por violarem directamente o disposto do artigo 7.º da Lei Básica. Este facto, ai sim pressupõe abuso de poder previsto nos termos do artigo 347.º do Código Penal por pretender enganar a população afirmando que tudo estava legal.

E também não corresponde à verdade, nem a uma correcta informação, invocar no ponto 2 da referida Nota o "Regulamento Interno" como base legal justificativa para atribuir as sepulturas perpétuas sem analisar que este Regulamento é ilegal.

 

 

Assim sendo, interpelo o Governo, sobre o seguinte, solicitando, que me sejam dadas respostas, de uma forma CLARA, PRECISA, COERENTE, COMPLETA e em tempo útil;

 

1. Tendo em consideração os factos apurados no relatório, elaborado pelo CCAC, de investigação sobre a atribuição de dez (10) sepulturas perpétuas pela ex-Câmara Municipal de Macau Provisória, que claramente demonstram que a entidade tutelar não cumpriu o princípio da legalidade previsto no artigo 3.o do CPA, o princípio mais importante da actuação da administração já que a Administração Pública deve obedecer à Lei e ao Direito, e que se verificaram irregularidades na atribuição das sepulturas o que, aliás, contraria os esclarecimentos prestados pela SAJ, vai o Chefe do Executivo assumir as suas responsabilidades e substituir a SAJ?

 

2. Vai o Chefe do Executivo diligenciar no sentido de expurgar as ilegalidades e irregularidades verificadas no relatório, elaborado pelo CCAC, por via de uma comissão independente, com garantias de imparcialidade e credível? Que medidas concretas vai o Chefe do Executivo tomar? A independência do CCAC não significa monopólio ou exclusividade. O facto de o CCAC ter competência para investigar e dever fazê-lo sem interferência não significa que só ele possa investigar.

 

Que medidas tenciona o Chefe do Executivo tomar face aos pedidos interpostos pelos particulares e que foram, injustamente, indeferidos?

 

3. Que motivos levaram a SAJ a ter apresentado queixa na Polícia Judiciária, garantindo ter provas suficientes de que houve documentos que saíram do IACM, acusando um deputado e um jornalista? Por que motivo mais de um ano depois veio dizer que afinal não houve qualquer extravio de documentos relacionados com o processo de atribuição das sepulturas? Qual a razão da SAJ ter afirmado que «o assunto está a ser aproveitado talvez para outros motivos por trás? Quais são os motivos que estão por trás?

 

 

O Deputado da Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 01 de Dezembro de 2011.

 

 

José Pereira Coutinho

 

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