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INTERVENÇÃO ANTES DA ORDEM DO DIA

“PEDIR AO CRIMINOSO QUE RESOLVA POR SI PRÓPRIO O CRIME QUE COMETEU”

 

Por solicitação de muitos cidadãos de Macau, intervenho hoje neste hemiciclo sobre o tema “Pedir ao criminoso que resolva ou justifique por si próprio o crime que cometeu”. Estes são, sem margens de dúvidas, os sentimentos que muitos cidadãos têm da governação da RAEM nos últimos dez anos da sua existência. Quando um simples cidadão submete uma queixa ou apresenta uma reclamação num serviço público ou numa das cinco secretarias na maior parte das vezes, estas queixas ou estas reclamações vão parar, quase sempre, nas mãos do eventual “criminoso” ou do “infractor” que cometeu o crime ou a infracção. Este, por sua vez, na maior parte das vezes, durante longos meses, tenta encobrir, camuflar, apresentar justificações descabidas aos superiores hierárquicos que aceitam quase sempre as suas conclusões porque trabalham todos os dias debaixo do mesmo tecto, tentando também em solidariedade encobrir, a todo o custo, os eventuais “escândalos” que podem advir dos actos que praticam e que podiam afectar a “aparente” boa imagem exterior do serviço público ou de um dos titulares dos principais cargos do Governo.

 

Os cidadãos sentem muito a falta de um sistema eficiente de “fiscalização interna” de natureza independente, credível e da confiança dos cidadãos na área da ilegalidade administrativa, o controlo no uso de poderes públicos no sentido de evitar o abuso de poderes como aconteceu com o famoso caso do Ex-Secretário das Obras Públicas e Transportes que, aparentemente, não violou leis mas abusou dos seus poderes públicos. Muitos cidadãos perguntam porque alguns contratos individuais de trabalho são guardados como “Segredo do Estado”. Nem os cidadãos de Macau nem mesmo os deputados têm conhecimento das suas cláusulas contratuais. Muitos contratos nem são publicitados no Boletim Oficial (contrato de tarefa ou pagamento a horas, introdução de regimes de turnos de forma ilegal e abusiva) e os CIT que são publicados no Boletim Oficial contêm uma ou duas linhas informativas, por exemplo, menção do nome da pessoa e o serviço que o contratou. Elementos importantes como o índice da tabela indiciária ou valor do salário mensal, natureza das funções, a duração do contrato, as cláusulas privilegiadas, como por exemplo, os CIT dos assessores de algumas secretarias terem o direito ao recebimento de retroactivos em igualdade de circunstâncias com o pessoal do quadro da função pública são todas mantidas em segredo.

 

Por estes e por muitos outros exemplos é que os cidadãos de Macau compreendem porque é que há uns contratos individuais de trabalho na função pública que são MAIS IGUAIS que os outros contratos individuais de trabalho.

 

Os cidadãos sentem a falta de um órgão independente como funcionava o ex-Tribunal de Contas, que fiscalizava “a priori” os contratos híbridos, controlava a sua legalidade e oportunidade no sentido de evitar o empolamento dos quadros “enfiando” amigos e familiares como tem acontecido com tanta frequência nos últimos dez anos da RAEM. A fiscalização efectiva do ex-Tribunal de Contas ajudava na transparência e boa governação, reduzindo as oportunidades para o abuso de poderes e o desbarato dos fundos públicos, como aconteceu ainda recentemente com a tentativa de gastar 60 milhões com a construção do Edifício do Metro Ligeiro, como se os 60 milhões fossem 60 patacas.

 

“Pedir ao criminoso que resolva ou investigue por si próprio o crime que cometeu” resulta sempre no mesmo, porque os cidadãos são obrigados a recorrer aos tribunais, desembolsando dezenas de milhares de patacas em honorários para poderem defender os seus direitos fundamentais, que na maior parte das vezes podem ter um valor venal de centenas patacas, tais como os vários subsídios ou mesmo o subsídio da renda de casa. Assim, por o sistema interno da máquina administrativa ser um sistema decadente e podre, viciado, e nalgumas vezes corrupto, a maior parte dos cidadãos desistem de recorrer contenciosamente devido ao desmesurado valor dos honorários dos advogados e o reduzido valor do direito violado. Num recente encontro entre a Secretária para a Administração e Justiça e o pessoal da linha de frente e os que auferem salários de miséria do IACM, esta alta responsável foi ao ponto de propor aos mesmos que quem não estivesse satisfeito com o trabalho podia ir embora para casa pedindo a demissão do cargo. Este é um dos vários exemplos da forma incompetente como é gerida uma das mais importantes secretarias e quem contribuído muito para a má governação da RAEM. Muitos cidadãos perguntam até quando teremos de aguentar tudo isto?

 

A máquina administrativa está cada vez mais podre por dentro e esta podridão após devida “maquilhagem” transparece mais radiante devido às centenas e centenas de milhões de patacas que são dispendidas quase todos os anos nos “centros de maquilhagem” com são os centros de informação administrativa instalados em bairros comunitários e conselhos de administração pública, que no dia-a-dia contribuem para adiar ou disfarçam a resolução dos problemas dos cidadãos. Por isso, os cidadãos começam a compreender porque muitos serviços públicos, propositadamente, sabendo que os cidadãos abandonam os seus direitos quando se vêm obrigados de recorrer aos tribunais para defenderem dos seus direitos violados, estabelecem regras administrativas impondo recurso contencioso como a única forma de poderem defender e de serem ressarcidos.

 

O recente exemplo mais flagrante tem a ver com cerca de 65 mil residentes que foram excluídos da lista definitiva do Regime de Poupança Central em que o Fundo de Segurança Social (FSS) obrigou-os a recorrer ao Tribunal Administrativo. O FSS esqueceu-se ou ignora as dificuldades dos cidadãos de terem de pagar dezenas de milhares de patacas em honorários aos advogados que nem chega para cobrir um terço a que deviam ter direito de receber. Com estas decisões arbitrárias e prepotentes e que causam grandes dificuldades aos prejudicados, os cidadãos deixam de recorrer. Até quando terão os cidadãos de aguentar todas estas injustiças?        

 

O Deputado da Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 11 de Agosto de 2010.

 

José Pereira Coutinho

 

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