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“Os secretários terão mais peso político do que o Chefe do Executivo”

2009 June 16
by pontofinalmacau

160609Afinal, Pereira Coutinho nunca apoiou Ho Chio Meng. Chui Sai On não vai ao encontro do perfil traçado pelo deputado para o futuro Chefe do Executivo, mas tal não significa que a mudança não venha aí: os secretários vão ter um papel essencial. No dia em que apresentou a sua lista às eleições legislativas – com Rita Santos como seu braço direito -, o presidente da ATFPM disse não temer a diversidade eleitoral que se avizinha e reiterou críticas aos macaenses que também querem ser candidatos.

Isabel Castro

- Em que medida é que Rita Santos, o número dois da “Nova Esperança”, poderá ser uma mais valia?
José Pereira Coutinho – Como já referi no passado, o exercício do cargo de deputado tem implicado uma elevada carga de trabalho devido à evolução social e económica de Macau. Nesse sentido, o Governo tem estado bastante activo, principalmente na fase final do seu mandato. Prevê-se que, no futuro, a evolução seja para outra dinâmica que pressupõe, à partida, que tenha um parceiro na Assembleia que permita dividir o trabalho de forma a não cair tudo em cima dos meus ombros. Devo dizer que trabalhando em full time na Assembleia sinto-me de alguma forma bastante cansado, porque não tenho só essas responsabilidades – tenho as de presidente da Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM), o atendimento personalizado dos cidadãos obriga a uma maior disponibilidade.
- Se a “Nova Esperança” conseguir eleger dois deputados, Rita Santos significará uma diferença em relação ao que tem sido feito por si?
J.P.C. – Não diria diferença, mas sim uma mais-valia. Como sempre disse, é a pessoa mais bem preparada na área da Administração Pública. O faro político e o sentimento pessoal de contributo para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos de Macau constituem de facto os ingredientes para que um candidato possa trabalhar e enfrentar os desafios do futuro de Macau.
- Estamos quase no fim da legislatura. Depois de quase quatro anos na Assembleia, sente que, na maioria das vezes, as lutas que travou revelaram-se infrutíferas, ou o seu trabalho contribuiu para que haja uma melhoria efectiva das causas de defende?
J.P.C. – Não quero dizer que por minha causa tenha havido mudanças… Mas devo dizer que a minha entrada na Assembleia criou de alguma forma uma mudança de mentalidades nos trabalhos da AL. Penso que chegámos a uma altura em que a sociedade exige mais de todos nós, quer do Governo quer da Assembleia, bem como de outros quadrantes de Macau. Nesse sentido, julgo que o próximo mandato da Assembleia vai ser mais exigente, vai exigir mais responsabilidade, mais respostas atempadas e maior entrega e dedicação aos trabalhos, de forma a satisfazer as exigências sociais dos cidadãos de Macau, que pretendem que seja mais produtiva.
- Há quatro anos, esteve perto de conseguir reunir os votos para eleger o segundo elemento da sua lista. As eleições de 2009 serão tão fáceis quanto as de 2005, em termos de conquista de eleitores?
J.P.C. – Não. Disse sempre desde o princípio que eleições em Macau são sempre extremamente difíceis, árduas, penosas e com resultados imprevisíveis. O eleitorado é sensível, tem alguma maturidade comparativamente com 2005. Há um eleitorado muito jovem. No fim de contas, o eleitorado é inteligente e sabe reconhecer quais os deputados que transmitem as aspirações da sociedade de Macau. Mas isto para dizer que nada será difícil para nós, vamos continuar a trabalhar, na recta final com maior ênfase, maior dinamismo, dar o nosso melhor porque queremos ter na Assembleia pessoas que arregacem as mangas e que trabalhem para os cidadãos de Macau. À partida, a política só tem um significado: resolver os problemas dos cidadãos. É esse o meu papel e, quando chegar o dia em que as pessoas entenderem que o deputado deve fazer outra coisa, então terão outras pessoas na Assembleia. Mas comigo será sempre assim: a política é para resolver os problemas dos cidadãos de Macau.
- As eleições deste ano serão bastante diferentes das de 2005. A Associação Novo Macau Democrático avança com duas listas. Há uma nova candidata, Agnes Lam. Teme que estas novas estratégias possam afectar os resultados da “Nova Esperança”?
J.P.C. – O eleitorado é inteligente, não há blocos separados de eleitores que votam em determinado candidato. Ou seja, o eleitor vota naquele que, na sua consciência, melhor serve os seus interesses e os cidadãos de Macau. Penso que o eleitorado inteligente sabe medir com algum rigor o passado para tomar uma decisão para o futuro.
- Acredita então que o seu eleitorado saberá reconhecer o trabalho que fez nesta legislatura.
J.P.C. – Aquilo que fizemos nos últimos quatro anos não é para estas eleições. São responsabilidades inerentes ao cargo de deputado independentemente de haver eleições. Um deputado não trabalha no último ano. Um deputado trabalha logo no primeiro dia do exercício do seu cargo e tem uma missão, que é servir os cidadãos de Macau. Não é no último dia nem nos últimos momentos que vem cá para fora mostrar que trabalha, e esperar reconhecimento por isso. Mesmo que não seja eleito, tenho a consciência tranquila de que a missão foi cumprida.
- Teme que a candidatura de Agnes Lam se reflicta numa diminuição de votos na “Nova Esperança”?
J.P.C. – Devo dizer que não há eleitorados estanques. Ela tem o seu eleitorado mas acredito que nós vamos dar o nosso maior contributo para que, de facto, possamos fazer o melhor na próxima legislatura e para que tenhamos bons resultados. Acho que é um atrevimento nosso pormos três cidadãos portugueses numa lista para a AL. É de enaltecer a comissão coordenadora liderada por Rita Santos por ter tido o atrevimento de escolher três pessoas, inclusive dois conselheiros do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) e uma ex-conselheira do CCP. A comunidade portuguesa e macaense está de parabéns, está bem representada nesta lista. Esperamos ter bons resultados.
- À hora a que conversamos, há uma reunião para preparar uma lista de matriz macaense. Disse hoje à Rádio Macau que considera que essa lista terá um impacto negativo para a comunidade portuguesa. A pluralidade é negativa?
J.P.C. – Em democracia, temos de nos saber respeitar, e quantas mais listas, melhor é. Mas no caso de Macau – com a sua especificidade, como somos poucos, e sabendo à partida que quem vai para as eleições é para ganhar, para ter bons resultados e não para estragar outras listas -, devo dizer que me sinto de alguma forma triste por haver comportamentos desta natureza. Que em questões de valores comuns, tradicionais, que afectam toda a comunidade portuguesa, haja de facto situações que aparecem à última hora e que prejudicam muito a nossa lista.
- Mas não é legítimo que haja pessoas que não se identifiquem com o seu programa, com o seu trabalho, e que pretendam também ter uma voz na Assembleia Legislativa?
J.P.C. – Não percebo porque é que aparecem estas listas à última hora que, à partida, não têm a mínima hipótese. Posso dizê-lo à vontade, conhecendo a situação específica de Macau. É pena, de facto, estas situações. Mas não gostaria de falar mais sobre isso, porque temos muito mais com que nos ocupar – trabalhar com afinco e com respeito por todos os cidadãos de Macau. Nós não trabalhamos somente para a comunidade portuguesa, trabalhamos para todas as comunidades. Um deputado quando presta juramento, jura que vai representar da melhor forma e defender os interesses de todos os cidadãos de Macau.
- Passando agora para outras eleições, as do Chefe do Executivo. No final da passada semana, Ho Chio Meng disse que não vai ser candidato. Como é que justifica o silêncio do Procurador durante tanto tempo?
J.P.C. – Penso que todas as pessoas têm a liberdade de decidir se querem ser candidatas ou não. Muita água correu debaixo da ponte… É evidente que se especulou sobre esta matéria, tentou-se criar uma eventual candidatura de uma pessoa que, à partida, trazia algumas características de que Macau necessita: a mudança. Macau precisa de mudança para uma sociedade melhor, e nada melhor do que pessoas que nunca estiveram ligadas ao elenco governativo dos últimos 10 anos. Criaram-se alguma expectativas, mas acredito que, mesmo assim, com o candidato que, à partida, será o Chefe do Executivo, vamos ter um Governo diferente.
- Mas, a dada altura, deu todas as indicações de que seria um apoiante de Ho Chio Meng.
J.P.C. – Nunca disse que era apoiante dessa pessoa que está a referir porque eu próprio não sabia se ele era candidato. Traçámos um perfil em que cabia a minha própria pessoa, como jurista e trabalhador da Função Pública há mais de 10 anos, assim como muitos mais trabalhadores que também reúnem essas condições.
- Chui Sai On, o único candidato destas eleições, não tem esse perfil. Ainda assim, significará mudança?
J.P.C. – Acho que sim. A mudança não vai ocorrer pelo Chefe do Executivo, mas sim pelos secretários. O tempo dirá o que estou a prever para o futuro.
- Mas é importante o papel do líder dessa equipa?
J.P.C. – É. Mas basta ver que nos últimos dez anos não tivemos um grande líder em termos sociais. Caso fosse, não teríamos o caso Ao Man Long. O futuro de Macau vai mudar, para melhor, mas será a intervenção crucial dos secretários que vai marcar a diferença entre a estrutura governativa do passado e o elenco governativo do futuro.
- A interpretação que tem sido feita pela Comissão dos Assuntos Eleitorais para o Chefe do Executivo faz com que Chui Sai On tenha apenas 15 dias para explicar à população o que pretende fazer para o futuro de Macau. Os encontros que agora mantém são à porta fechada e considera-se impedido de avançar com detalhes do seu programa político. Concorda com esta interpretação?
J.P.C. – Discordo completamente. É uma aberração. Acho que não há nada que possa impedir o direito da população à informação e a liberdade de expressão. O candidato Chui Sai On pode muito bem expressar, com base no direito fundamental da liberdade de expressão, tudo aquilo que pensa para o futuro de Macau, desde que não diga que o que está a dizer é parte essencial do programa político.
- É essa a interpretação que vai fazer quando estivermos mais perto das eleições para a AL?
J.P.C. – Certamente. Não há margem para dúvidas. O candidato tem o direito de exprimir livremente aquilo que pensa que deve ser o futuro de Macau sem entrar em detalhes específicos do programa político.
- Ainda sobre as eleições para o Chefe do Executivo. Há quem entenda que o facto de um só candidato fará com que não haja debate de ideias políticas, perdendo-se assim uma oportunidade para discutir questões de fundo. Concorda? As reacções menos positivas à candidatura de Chui Sai On têm surgido sobretudo na Internet, em fóruns e redes sociais. Que análise faz a este fenómeno?
J.P.C. – O futuro Chefe do Executivo estará de alguma forma limitado pela nomeação dos próximos secretários, que terão mais dividendos políticos do que o próprio Chefe do Executivo. Vamos ter que mudar a nossa concepção de análise do elenco governativo face ao que vai acontecer com a mudança deste Governo, nomeadamente com o aparecimento de um único candidato. Por outras palavras, quem quer que seja o próximo Chefe do Executivo terá limitações políticas assacadas pelos próprios secretários que terão muitos mais poderes de decisão e de intervenção do que tiveram estes últimos cinco secretários.
- O que o faz acreditar na força dessa futura equipa de secretários?
J.P.C. – É uma análise política que faço da diferença entre o actual elenco governativo, em que a componente pessoal do Chefe do Executivo é muito mais marcante, e em que os secretários se limitam meramente a acompanhar aquilo que é deixado pelo Chefe do Executivo, mas a que muitas vezes não dão seguimento porque não têm responsabilidade política em relação aos erros e asneiras que vão cometendo.
- A sua análise baseia-se numa diferença de carisma?
J.P.C. – É uma diferença de carisma mas não só: é também de intervenção política entre a do Chefe do Executivo e dos secretários que vão ser nomeados. Os secretários terão muita mais responsabilidade política em relação aos bons e maus resultados. Serão eles próprios a assumir essa responsabilidade.
- Mas o sistema não mudou.
J.P.C. – Não é necessário mudar para que assim seja. É somente uma mudança da situação política, da assunção de responsabilidades políticas do Chefe do Executivo e dos secretários, que terão mais peso político do que o próprio Chefe do Executivo.
- Quais deverão ser as grandes prioridades do próximo Chefe do Executivo?
J.P.C. – Em primeiro lugar, o próximo Chefe do Executivo terá que ter a grande bondade e humildade de confirmar o muito que terá de ser feito para a sociedade, nomeadamente na questão do fosso entre o rico e os pobres, a disparidade que existe entre os salários e os bens essenciais, como as habitações. Terá de reforçar a legislação do jogo, diversificar a economia introduzindo medidas de atracção e desburocratizando a Administração Pública de forma a facilitar o investimento em Macau. Terá de respeitar o primado da lei, em que a lei é aplicada a todos independentemente do seu estatuto pessoal. E terá de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos em geral. Será muito importante que tenha uma visão alargada do futuro de Macau: temos necessidades na saúde, é preciso criar um regime de aposentações generalizado, uma rede de transportes públicos que facilite a vida das pessoas. É preciso elevar a capacidade cívica e política das pessoas, a começar pelas escolas e pelo Governo, educando e instruindo os cidadãos de Macau nos seus direitos e deveres, e formar uma classe política que possa substituir os deputados que não têm substitutos à altura. Ao acabar com as eleições dos autarcas, criou-se um fosso entre as associações e o cargo de deputado à AL.
- E qual será a sua grande prioridade, se for eleito?
J.P.C. – A política serve para resolver os problemas dos cidadãos. Vamos continuar a trabalhar nesse sentido.
- Mas qual será o primeiro problema que tentará resolver?
J.P.C. – Em primeiro lugar, acompanhar de perto o problema da habitação social, tanto no sector privado como no público. É vergonhoso que se utilizem as casas do Governo da RAEM para estudantes da República Popular da China que vêm para cá para estudar numa universidade privada, e que pagam uma mera quantia de mil patacas, enquanto os trabalhadores da Função Pública são obrigados a comprar casas e a hipotecar o futuro. No sector privado, foi prometida a construção de milhares de casas, mas é caricato ver que esse processo anda a passo de tartaruga. Levam tempo a construir, não se percebe porquê. Parece-me que se faz isto de propósito para que os empresários da construção civil possam escoar o que têm em mãos.

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