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INTERVENÇÃO ANTES DA ORDEM DO DIA

 

Ao longo dos anos tem pairado na sociedade local, um enorme descrédito à “classe política” neles incluindo os principais governantes, com resultados negativos quanto aos avanços graduais que deviam merecer o nosso regime democrático.

 Constitui, hoje, um imperativo, que debrucemos na questão nuclear da “educação cívica e política” dos residentes de Macau, entendida esta no sentido de preparação para a cidadania, para a convivência política, social e moralmente responsável.

Em primeiro lugar, todos nós, temos a enorme responsabilidade de prevenir a crescente e letal influência exercida pela ignorância, a deficiente e alguma falta de informação, que no final só prejudica os avanços da democracia.

Nesta medida, a “educação cívica e política” assume-se como um dever, responsabilidade e competência do Governo no sentido de elevar a participação cívica e política da população activa de Macau. Urge pôr cobro à incapacidade para expressar exigências ou para compreender as que são formuladas pelos outros e pelo Governo, para argumentar a favor das posições próprias e para refutar os argumentos e ardis alheios, para ultrapassar a carência de compreensão dos direitos e deveres impostos pela vida em sociedade e para contrariar a acção retrógrada e patológica de “lobbies” artificiais e corporações de interesses ilegítimos.

São os cidadãos, com défice de informação, mas todos com direito a opinião e a voto, quem sustenta com erário público os nossos governantes que muitas vezes prometem o paraíso e adiam os problemas ou fingem estarem os problemas resolvidos ou mais grave arranjam bodes expiatórios para todas as crises e frustrações.

Em segundo lugar, como muito bem dizia Aristóteles, quanto à “educação cívica e política” que “ninguém pode chegar a governar sem ter sido antes governado”. Isto é, todos temos que adquirir o sentido da equidade, justiça e responsabilidade, aprender a interpretar e cumprir a leis e a praticar os valores humanos de solidariedade social. Até porque em democracia consiste em que nela não haja especialistas em mandar e especialistas em obedecer, mas sim em que todos os cidadãos sejam aptos para desempenhar os dois papéis.

Por isso, será cívica e política, a educação que optimize os cidadãos, que os forme para analisar e decidir de uma forma independente, inculcando neles tanto a condição de mando como a de obediência, tanto a de objecto das leis como a de sujeito delas. Sendo os meios que justificam os fins, a democracia só tem justificação se for servida por este tipo de cidadãos.

Para tanto, a educação cívica e política deve cuidar de contribuir para a realização do direito fundamental de qualquer pessoa, qual seja o de ser dotada dos meios intelectuais necessários ao exercício da deliberação, isto é, da liberdade. Ora isto assenta na formação de caracteres humanos capazes de persuadir e de se abrir à persuasão, de perceber e apreciar a força das razões e recusar a razão da força, de participar em projectos e celebrar acordos e transacções, de ser racional e razoável a reconhecer o mesmo estatuto aos outros.

Trata-se, enfim, de formar um cidadão habilitado a confirmar aquilo que designamos por um ser independente de pensamento, de palavra, comunicação e acção.

Isto inclui a educação para a tolerância. Não para aceitar e valorar tudo por igual, mas para respeitar os caminhos plurais que segue o humano, balizados pelo marco da declaração dos direitos humanos. Está, pois, posta de lado a tolerância perante aquilo que sabota a cultura humanista e democrática ou perante todas as opiniões e posições. O direito à diferença não pode ser convertido em dever para os outros, ou seja, não é curial impor-lhes como norma desvios tolerados mas não justificados. Nem o fanatismo nem o relativismo podem merecer uma atitude convivencial. O primeiro porque tem subjacente a rejeição do diferente, com medo de ser contagiado e desmentido por ele. O segundo porque se esbarra a tentar justificar o postulado falso, logo injustificável, de que todas as culturas merecem igual apreço. É certo que se pode aprender alguma coisa com cada uma, mas não são todas igualmente compatíveis com os valores, princípios e direitos humanos e universais. De resto, o alvo central da educação é precisamente o de capacitar os cidadãos a valorar e classificar, a preferir e optar, a escolher e excluir o que exalta ou amesquinha a nossa humanidade.

Num mundo cada vez mais globalizante, fronteiras frágeis, circulação e rapidez de pessoas, bens e mercadorias, dizia já então Sartre,  “Estamos condenados à liberdade”, o que nos obriga a uma constante interrogação sobre o uso que fazemos dela, porque não somos livres de ser livres. Nós e os outros, eu e tu.

Com efeito, o que nos define como humanos, não são os instintos ou o património genético, mas “a coragem de escolher”, a nossa capacidade de decidir e inventar acções que transformem a realidade e a nós mesmos. Essa disposição, chamada “liberdade”, é a nossa condenação e também o fundamento do que consideramos a nossa dignidade humana racional”.

Por outras palavras, a liberdade – isto é, a possibilidade, competência e coragem de escolher entre o bom e o mau, o melhor e o pior, o belo e o medonho, a verdade e o falso, a humanidade e a desumanidade, a recta razão e a falta dela, a justiça e a iniquidade, a honra e a desonra, o prazer e o sofrimento, a democracia e a tirania, a cidadania e a fuga aos deveres cívicos – atravessa a nossa existência, porquanto o problema da escolha, será sempre o grande problema da vida inteira do ser humano.

Pelo facto de nascermos humanos estamos determinados pela tarefa interminável de ter que escolher constantemente os meios juntamente com os fins. Sabendo – avisa Erich Fromm – que “não devemos confiar em que alguém nos salve, mas conhecer bem o facto de que as escolhas erradas nos tornam incapazes de nos salvarmos”.

A humanidade ao poder escolher, significa, poder optar por um projecto de auto-limitação no que se refere ao que podemos fazer, de simpatia solidária perante o sofrimento dos seus semelhantes e de respeito perante a dimensão não manejável que o humano deve conservar para o humano”.

Esta introdução vem a propósito de no dia 20 de Setembro do corrente ano, decorrem eleições para o cargo de deputado eleito directamente pela população de Macau. Contudo, fugindo à tradição, nomeadamente as tradições de 2001 e 2005, neste ano, os Serviços de Administração e Função Pública de Macau (SAFP) tomaram a infeliz decisão não enviar os programas políticos dos candidatos à eleição dos deputados quer eleitos pela via directa quer por via indirecta aos eleitores, invocando o mero argumento de não ser sua obrigação legal enviar os ditos programas políticos.

Esta medida, vai, em primeiro lugar, prejudicar gravemente os eleitores de Macau no seu “direito adquirido” de ter acesso directo e integral nos seus domicílios de todos os programas políticos dos concorrentes, violando os princípios de continuidade do sistema político e de promoção e divulgação de umas das mais importantes eleições do nosso sistema político e previsto na Lei Básica.

Em segundo lugar, esta medida afecta directamente as listas concorrentes com menores capacidades financeiras, violando o princípio de igualdade para que haja eleições justas e imparciais, porque a maioria das listas muito provavelmente não vai dispor de milhões e milhões de patacas para despesas nomeadamente com o envio pelo correio dos seus programas eleitorais.

Finalmente, o Governo, não pode, nem deve, demitir-se da obrigação moral e social de informar devidamente os seus cidadãos dos actos eleitorais, principalmente o acto eleitoral da Assembleia Legislativa prestes a decorrer em Setembro do corrente ano. O Governo, não deve ignorar, que constitui seu dever, contribuir para que a participação dos cidadãos seja mais activa possível e com os mais elevados índices de votação.

Por isso, esperamos, que o Governo reveja, e proceda da mesma maneira como foi tradição do passado, enviando por sua conta os programas políticos de todas as candidaturas, contribuindo desta forma para elevação da capacidade “cívica e política” dos cidadãos.

 

 

O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 16 de Junho de 2009.

 

 

 

José Pereira Coutinho

 

 

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