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INTERVENÇÃO ANTES DA ORDEM DO DIA

 

 

No dia imediato, à minha chegada a Macau, proveniente de uma minha recente viagem a Bruxelas e Estrasburgo, na qualidade de convidado oficial das diversas instituições europeias, nomeadamente o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia, vejo-me de imediato obrigado a receber no meu gabinete, um grupo numeroso de trabalhadores do Instituto dos Assuntos dos Assuntos Cívicos e Municipais (IACM), na sua maioria, trabalhadores da linha da frente, quase todos revoltados, queixando quanto à introdução “ditatorial” do novo regime de trabalho por turnos.

 

Essencialmente, os trabalhadores revoltados, alegam que o novo regime de trabalho sob a forma de turnos, vem significativamente reduzir os valores monetários designadamente quanto à forma do pagamento de horas extraordinárias, bem como a impossibilidade de gozo dos dez dias de feriados obrigatórios.

 

Pensaram as “mentes iluminadas” do Conselho de Administração do IACM que desta forma vão ser economizadas os custos com o pagamento de trabalhos realizados nos dias de feriados obrigatórios, ou seja, não será pago nada, caso os trabalhadores, tenham de trabalhar nesses dias, uma vez que estão sujeitos ao regime de turnos.

Uma autêntica exploração dos trabalhadores, que com suor e sangue lutam dia a dia, para ter mais alguns tostões para conseguir fazer face aos desafios, duma cidade que pretende ser internacional, mas que em matéria de respeito pelos direitos laborais, é uma das mais atrasadas da Ásia.

 

Com esta decisão os grandes senhores do “poleiro” do Conselho de Administração do IACM fizeram “ tábua rasa” mandando para as “urtigas” o Despacho nº 6/2009 do Chefe do Executivo, designadamente quanto ao princípio geral de somente ser aplicado a nova Lei das Relações de Trabalho, somente em situações específicas, em que lhes fosse mais favorável. Esquecem-se as mesmas “mentes iluminadas” o importante princípio geral constante no nº 2 do artigo 4º da referida nova lei que reza na íntegra o seguinte:

“ A presente lei não pode ser interpretada no sentido de implicar a redução ou eliminação de condições de trabalho mais favorável aos trabalhadores, vigentes à data da sua entrada em vigor”

 

Nitidamente, com a introdução no novo regime de turnos, violou-se este importante princípio, porque os trabalhadores passaram a auferir menos quanto ao trabalho extraordinário.

 

Mas levantam-se também outras questões como quanto ao pagamento em triplo quando os mesmos tenham de trabalhar nos feriados obrigatórios. Constituem situações de infracção à legislação em vigor que de maneira nenhuma pode ser ignorada. E, então, como vai ser punida no caso de incumprimento da lei em vigor que prevê uma multa de MOP$5000,00 a MOP$10.000 nos termos da alínea 2) do nº3 do artigo 85 da Lei nº 7/2008?

 

Ora bem, deixemos de explorar os trabalhadores do IACM, que já foram sobejamente “tosquiados” e vergonhosamente explorados desde o estabelecimento da RAEM. Os trabalhadores da IACM são afamados no meio local como trabalhadores de segunda classe.

 

Às “mentes iluminadas” do topo da tutela do IACM, sugeria a leitura da legislação em vigor, nomeadamente os princípios gerais quanto ao trabalho de turnos, constante no 199º do Estatuto dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ETFPM), publicado pelo D.L. nº 87/89/M de 21 de Dezembro, que continua a ser aplicado ao pessoa do quadro e que diz o seguinte do qual passo a transcrever:

 

Secção III

Trabalho por turnos

 

Artigo 199º

(Conceito)

 

Considera-se trabalho por turnos o que implica, para o pessoal que o presta, variação do horário de trabalho da qual resultem alterações do ritmo de vida e esforço acrescido no desempenho das funções.

 

Artigo 200º

(Adopção do regime)

 

A adopção do trabalho por turnos, pelos serviços cujas necessidades de regular e normal funcionamento o exigem, depende de autorização prévia.

 

Artigo 201

(Organização)

 

1. O trabalho por turnos é organizado em, pelo menos, dois períodos diários e sucessivos.

 

2. Os turnos são rotativos e o respectivo pessoal está sujeito a variação regular de horário de trabalho. 

 

3. Nos serviços de funcionamento permanente não podem ser prestados mais de seis dias de trabalho consecutivo.

 

4. As interrupções a observar em cada turno estão sujeitas ao princípio da não prestação de mais de seis de trabalho consecutivo.

 

5. As interrupções destinadas ao repouso ou refeição não superiores a trinta minutos consideram-se incluídas no período de trabalho.

 

6. O descanso semanal deverá coincidir com o domingo, pelo menos uma vez em cada período de quatro semanas.

 

7. A mudança de turno só pode ocorrer após o dia de descanso, salvo nos casos excepcionais como tal reconhecidos pelo dirigente do serviço.

 

8. Ao dirigente do serviço compete fixar o início e o termo dos turnos aprovados, bem como estabelecer as respectivas escalas.

 

9. Está vedada ao dirigente do serviço qualquer alteração ao número de turnos aprovados, sem observância do disposto no número anterior.

 

Por outro lado, não podemos esquecer que o regime de turnos são regimes especiais de horário de trabalho fixados pelo Chefe do Executivo, mediante parecer dos Serviços de Administração e Função Pública de Macau (SAFP) e ouvidas as associações representativas dos trabalhadores, conforme estipula o nº 7 do artigo 78º do ETFPM.

 

Este, pois, o regime geral que é vulgarmente aplicado na maioria dos serviços públicos e o IACM não deve ser uma excepção, a não ser, que queiram forçosamente continuar a explorar os trabalhadores, principalmente das classes mais humildes e que tanto lutam diariamente por cumprir da melhor forma o seu trabalho e dignificar o serviço a qual pertencem.

 

Será que o IACM solicitou parecer ao SAFP quanto à introdução do novo regime de turnos? A meu ver não. E no caso de se tratarem de trabalhadores do quadro, não teria de solicitar o respectivo parecer por força das disposições legais já referidas do ETFPM? Evidentemente que sim. Então no IACM, uns são filhos, outros são enteados?

E neste último caso, todas as associações representativas dos trabalhadores não teriam de ser ouvidas quando à introdução de horários especiais de trabalho, à semelhança do que acontece com outros serviços públicos?

 

Que eu saiba, não foi solicitado qualquer parecer sobre esta matéria aos SAFP, nem tanto quanto às associações representativas dos trabalhadores. Ou seja, “cozinhou-se” este novel regime de turnos nos bastidores do Conselho de Administração do IACM, à revelia dos princípios gerais sobre a matéria constante no ETFPM.

 

Vale à maioria da população a satisfação de conhecer os métodos “ditatoriais” e “imperialistas” e de “falsa democracia” reinantes no topo da esfera do IACM, que somente assim age, porque tem o beneplácito da tutela que sente-se contente com a “graxa” e “elogios saloios” que vai recebendo a todo o momento.

Resta contudo, a sorte, de termos de continuar a aguentar este Governo por mais alguns meses, par por ordem e disciplina numa casa tão desarrumada que neste momento ninguém tem paciência para aturar.

 

Por isso, até lá, espera-se dos trabalhadores e da maioria da população, um pouco mais de paciência, para aguentar tanta incompetência e tanto abuso de poder. Aliás, já aguentamos quase nove anos, por isso, não faz mal esperar mais uns meses, porque não vai ser assim tão difícil de aguentar.

 

 

O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 18 de Fevereiro de 2009.

 

 

José Pereira Coutinho

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