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Votei contra na votação final global da Proposta de Lei intitulada “Regime das Relações de Trabalho”, pelas seguintes razões;

 

Em primeiro lugar, não posso deixar de referir que hoje é um dia triste na história desta Assembleia. Foi aprovada uma má lei que prejudica a maioria da sociedade e as famílias. Ficou provado que o governo nunca teve uma opinião própria quando à legislação laboral, divagando ao sabor dos ventos, ora pendendo dum lado ora para outro mas quase sempre no final a reboque dos empresários. Com esta aprovação o Governo não pretende que exista uma sociedade harmoniosa nem são nos interesses da maioria que trabalham para o desenvolvimento económico em que está a pensar quando o governo afirma que quer governar para as pessoas, principalmente as mais desprotegidas e debilitadas.

 

Esta aprovação constitui um autêntico retrocesso à lei vigente, quando comparado com D.L nº 24/89/M de 3 de Abril, em que por exemplo a alínea d) do artigo 9º preceitua de uma forma muito clara que qualquer diminuição da retribuição base dos trabalhadores carece duma autorização prévia da DSAL. Ao contrário, a futura Lei das Relações de Trabalho estabelece nos nºs 5 e 6 do artigo 59º que a remuneração base pode ser diminuída mediante simples acordo escrito entre as partes e produz efeitos imediatos após mera comunicação à DSAL. Então isto não é um retrocesso às garantias fundamentais dos trabalhadores estabelecidas em 1989, então o que será?  

 

Em segundo lugar, este governo quase a concluir o mandato, por via desta futura lei oferece aos trabalhadores mais injustiças, mais desigualdades, mais precariedade e mais pobreza e em contrapartida dá de bandeja ao patronato as ferramentas mais importantes para uma mais fácil exploração de mão-de-obra e célere despedimento quer seja com justa ou sem justa causa.

 

Desde o meu primeiro dia como deputado eleito no ano de 2005 que alertei que a lei que agora vai ser revogada estava quase totalmente desactualizada ou seja, uma lei fora do contexto da realidade social. Solicitei muitas vezes ao Governo para que fosse apresentado o projecto de lei e lutei depois na 3ª Comissão por uma lei justa. Uma lei que no mínimo respeitasse as convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho, (OIT) mas infelizmente o governo não foi sensível a estas matérias.

 

Não só não foi sensível como ignorou a Convenção n.º 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), relativa à protecção da maternidade, que prevê taxativamente 84 dias de licença por ocasião do parto e a lei do trabalho do interior da China prevê 90 dias e o Estatuto dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ETAPM) prevê 90 dias. Mas a lei agora aprovada apenas prevê 56 dias.

Assim estaremos no futuro perante uma discriminação em função da condição social da mulher, na medida em que existe uma discriminação entre as mulheres que trabalham para a função pública e que têm direito a 90 dias de licença de maternidade, enquanto as outras que também são do mesmo sexo mas que pelo facto de trabalharem no sector privado somente terão direito a 54 dias. A meu ver, esta diferença de tratamento constitui a meu ver uma violação frontal ao princípio de igualdade previsto no artigo 25º da Lei Básica.

 

E esta convenção, tal como a Convenção n.º 158 da OIT, relativa à cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, que condiciona os despedimentos ao contrário da lei agora aprovada que permite despedir sem justa causa, foram estendidas a Macau em 1999. E deviam estar em vigor por via do artigo 40.o da Lei Básica. Mas o Governo preferiu “esquecer” possibilitando a todo o momento o despedimento sem justa causa, uma das causas do aumento da precariedade do trabalho.

 

Relacionado com a consagração por esta lei do despedimento sem justa causa tenha-se em conta que vigora em Macau a Convenção n.º 98 da Organização Internacional do Trabalho, relativa à Aplicação dos Princípios do Direito de Organização e de Negociação Colectiva que prevê que os trabalhadores devem estar protegidos contra despedimento por motivo de filiação sindical ou de participação em actividades sindicais sendo que a Convenção é contrariada frontalmente pelo artigo 70.o, n.º 1 da lei agora aprovada que prevê o despedimento sem justa causa.

 

Por isso pergunto a todos, como poderá um trabalhador defender os seus legítimos direitos e interesses previstos nesta lei quando se pode ser despedido sem justa causa? Será que desta forma os trabalhadores com a “corda” na garganta conseguem participar numa sociedade justa e harmoniosa?

Como pode um trabalhador exercer os seus legítimos direitos sindicais, tal como contraditoriamente está previsto no artº 10, em que a todo o momento pode ser despedido sem justa causa?

 

Mas se sabemos que esta lei é má até nem sequer poupa a saúde dos trabalhadores! Já não bastava a lei agora aprovada não prever um subsídio pelo trabalho nocturno e pelo trabalho por turnos quando é feito no período nocturno, respectivamente nos artigos art. 39.o, n.o 3 e 41.o, n.o 3, também não proíbe o trabalho nocturno das mulheres nem sequer quando estão grávidas. Faço mais uma vez recordar o Governo que a Convenção n.º 89 da OIT, proíbe o trabalho nocturno das mulheres na indústria.

O trabalho nocturno arruína a saúde dos trabalhadores e como assinalei em sede da comissão especializada que analisou o presente diploma há estudos científicos que o provam e há países que o limitam muito e note-se que são países com uma economia desenvolvida e próspera. De facto não pode haver uma sociedade justa nem evoluída com uma má lei do trabalho.

 

Daqui a poucos dias os deputados desta Assembleia e talvez até os membros do governo vão partir de férias. Um mês no mínimo para poderem recuperar física e psicologicamente de um ano de trabalho. Para poderem desfrutar algum tempo para estarem junto da sua família.

Mas o governo e a maioria que o apoia não hesita em aprovar uma lei em que um trabalhador só pode ter 6 dias de férias por ano e estas ainda podem ser determinadas pela vontade do empregador! Afinal há coisas em que tempo não passa em Macau. A velha lei que vai ser revogada e que data de 1989 também só previa 6 dias de férias. Hoje a caminho de 2009 o tempo parou para os trabalhadores que continuam a ter somente o direito a 6 dias de férias.

Apregoa-se que Macau se desenvolveu, que a economia quase totalmente dependente dos casinos trouxe prosperidade, o rendimento per capita é dos maiores do mundo, os cofres públicos estão quase sempre cheios e os trabalhadores o que recebem deste governo e da maioria que o apoia? Recebem nada. Pelo contrário, recebem somente injustiças, precariedade do trabalho e abandono na velhice por falta de um regime obrigatório de previdência social.

 

Eu não desejava nem nunca apresentaria uma proposta de lei no sentido de que a remuneração dos deputados pudesse ser diminuída quando o patrão quisesse e bem apetecesse. Mas isso foi aprovado hoje, sem qualquer condicionamento, nesta Assembleia para os trabalhadores que como disse até podem ser despedidos sem justa causa! Como poderão eles negar o acordo da iniciativa do empregador em baixar-lhe os salários? Isto é de bradar os céus!

Com esta lei, aumenta a precariedade no emprego, porque se estendeu de 30 para 80 dias o período experimental ao fim do qual o trabalhador pode ser despedido e, claro, substituído por outro ou mantê-lo em experiência por vários anos desde que haja em cada seis e seis meses um intervalo de 48 horas de período em que é forçadamente colocado em situação de desempregado.

Enfim muito mais haveria a dizer sobretudo sobre a razão desta lei tão má para os trabalhadores da autoria deste governo e aprovada por esta Assembleia.

No fundo com a aprovação desta lei ficou demonstrado quem manda em Macau e certamente não é quem valoriza o trabalho, quem quer uma sociedade justa e quem diz que ama Macau.

Resta aos trabalhadores a esperança e a capacidade de lutar. E não vamos parar nem desanimar. Cá estaremos para reivindicar justiça e haveremos de ter um dia uma lei mais justa e mais solidária.

 

 

 

O Deputado da Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 05 de Agosto de 2008.

 

 

José Pereira Coutinho

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