ATFPM DIRECÇÃO

JOSÉ PEREIRA COUTINHO

Deputado à Assembleia Legislativa e Presidente da Direcção da ATFPM

ATFPM Traimestral

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Exmo. Senhor

Dr. Lei Vai Long

M.I. Secretário para a Economia e Finanças

 

A Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau (ATFPM) vem por este meio e dentro do prazo estipulado na presente Consulta, apresentar as seguintes opiniões e sugestões à «Consulta pública sobre a Lei Sindical».

O presente documento foi elaborado na sequência da recolha das opiniões dos nossos mais de 18 (dezoito) mil associados tendo as sugestões e opiniões sido recebidas por via documentos escritos, telefonemas, emails, watsapp, Facebook, via Wechat e atendimento pessoal. 

 

INTRODUÇÃO

 

Enquadramento legislativo na RAEM sobre o direito e liberdade de organizar e participar em associações sindicais.

A Lei Básica foi adoptada em 31 de Março de 1993 e entrou em vigor no dia 20 de Dezembro de 1999.

De acordo com o artigo 27.º da Lei Básica os residentes de Macau gozam «do direito e liberdade de organizar e participar em associações sindicais e em greves».

Nos termos do n.º 4 do artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948 todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para protecção de seus interesses.

Por outro lado, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, bem como as convenções internacionais de trabalho, continuam a vigorar na RAEM nos termos do artigo 40.º da Lei Básica.

O artigo 22.º, n.º 1 do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos dispõe que «toda e qualquer pessoa tem o direito de se associar livremente com outras, incluindo o direito de constituir sindicatos e de a eles aderir para a protecção dos seus interesses».

A Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho, sobre a Liberdade Sindical e a Protecção do Direito Sindical, adoptada em São Francisco, em 9 de Julho de 1948, foi estendida a Macau em 1999 e continua a aplicar-se na RAEM, conforme o Aviso do Chefe do Executivo n.º 55/2001.

O artigo 2.º da Convenção n.º 87 dispõe que «os trabalhadores e as entidades patronais, sem distinção de qualquer espécie, têm o direito, sem autorização prévia, de constituírem organizações da sua escolha, assim como o de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas».

Está, também, em vigor, na RAEM, nos termos do Aviso do Chefe do Executivo n.º 58/2001, a Convenção n.º 98 da Organização Internacional do Trabalho, sobre o Direito de Organização e Negociação Colectiva, Adoptada em Genebra, em 1 de Julho de 1949

Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), as condições favoráveis ao diálogo social incluem o respeito pelos direitos fundamentais da liberdade sindical e da negociação colectiva e a vontade política e empenhamento de todas as partes no diálogo social.

 

De acordo com o artigo 2º da Convenção n. 87:

«Os trabalhadores e as entidades patronais, sem distinção de qualquer espécie, têm o direito, sem autorização prévia, de constituírem organizações da sua escolha, assim como o de se filiarem nessas organizações, com a única condição de se conformarem com os estatutos destas últimas.»

O Princípio da livre constituição e funcionamento dos Sindicatos

Os sindicatos podem-se constituir livremente, sem autorização prévia governamental. A liberdade de constituição, funcionamento e actividade permite a realização com maior sucesso todas as acções e procedimentos ligados aos interesses colectivos e sindicais.

Desse primado resulta a faculdade, ou direito, dos sindicatos constituírem-se pelo mesmo ramo ou empresa, sem limitações sectoriais, espaciais ou de número. É o que se conhece por pluralismo sindical.

Assim, somos de opinião, que o registo no órgão competente é meramente suficiente para não afectar o princípio da liberdade sindical, desde que não se evidencie uma autorização administrativa para o funcionamento da entidade.

Âmbito de aplicação da “Lei Sindical

Na página 21 do “Documento de Consulta” pergunta-se se determinados grupos de trabalhadores devem ficar sujeitos à regulamentação do exercício do direito de associação sindical.

Assim, defendemos que os seguintes trabalhadores, mencionados no “Documento de Consulta”, devem ficar sujeitos à regulamentação do exercício do direito de associação sindical: Trabalhadores da Administração Pública; Pessoal médico e de enfermagem; Trabalhadores de instituições de serviço público (abastecimento de água, electricidade e infra-estruturas de comunicação) e Trabalhadores de instituições de serviços públicos de transporte colectivo incluindo as concessionárias do Jogo entre outras.

Na página 6 do Documento de Consulta é referido o seguinte: «Por outro lado, a natureza do trabalho dos trabalhadores da administração pública é a prestação de serviços à população, pelo que é necessário ponderar cuidadosamente sobre o âmbito do exercício do seu direito de associação sindical, a fim de assegurar a existência de um equilíbrio entre o interesse público e o exercício desse direito por parte desses trabalhadores».

Os trabalhadores dos sectores anteriormente mencionados têm o direito fundamental de se associar livremente como os outros, incluindo o direito de constituir sindicatos e de a eles aderir para a protecção dos seus interesses. Isto é o que resulta do artigo 27.º da Lei Básica de Macau e do n.º 1 do artigo 22.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, que vigora em Macau.

Como em muitas outras jurisdições europeias, admite-se que, sem proibir o direito e a liberdade de os trabalhadores se organizarem e participarem em associações sindicais que, em algumas actividades, se fixem a realização de serviços mínimos em caso de uma greve, para os serviços não paralisarem totalmente. Por exemplo: serviços de saúde e de fornecimento de medicamentos, abastecimento de água, bombeiros, energia, salubridade pública, transportes de pessoas e bens e certos serviços de atendimento ao público do Estado (por exemplo, assistência domiciliária a pessoas doentes).

 

No ponto 4.2 do Documento de Consulta pergunta-se se concorda que seja necessário que essas pessoas devam ainda reunir outros requisitos para além da maior idade e da plena capacidade do exercício acima referido, como por exemplo a necessidade de ter conexões com empresas, sectores ou profissões relativas a associações sindicais?

Achamos desnecessário o critério da conexão com empresas, sectores ou profissões relativas a Associações sindicais porque já existem na RAEM muitas associações cívicas que têm nas suas fileiras uma multiplicidade de dirigentes e associados provenientes de diferentes empresas e profissões e sectores da sociedade amplamente capacitadas para desenvolver as funções de sindicatos. Muitas destas Associações tem vindo a desenvolver as suas actividades sob a forma de sindicatos defendendo simultaneamente os direitos e interesses dos trabalhadores do sector público e privado e independentemente do tipo de profissões ou empresas como por exemplo acontece com a Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau, uma das mais representativas Associações de trabalhadores do sector publico e privado com mais de três dezenas de anos de actividade exclusiva e não lucrativa.

 

Quais são as competências que acha que devem ser cometidas ao sindicato?

Na página 24 do Documento de Consulta são mencionadas várias competências a atribuir aos sindicatos. A primeira competência é a seguinte: «Negociar com os empregadores ou os representantes dos empregadores as condições laborais e os assuntos relativos à segurança e saúde ocupacional e dar opiniões».

Relativamente a esta competência sugerimos a seguinte redacção: «Negociar, defender e promover a defesa dos direitos e interesses socioprofissionais e as condições laborais dos trabalhadores que representam com os empregadores ou os representantes dos empregadores e os assuntos relativos à segurança e saúde ocupacional».

Deve ter a competência de participar na elaboração da legislação do trabalho quer seja proveniente do Governo quer da Assembleia Legislativa.

Deve também ter competência para participar nos procedimentos relativos aos trabalhadores, no âmbito de processos de reorganização de órgãos ou serviços da administração pública.

A segunda competência mencionada no documento de consulta é: «Prestar apoio no tratamento dos conflitos laborais».

Sugerimos a seguinte redacção: «Prestar apoio, defender e assistir em juízo os trabalhadores no tratamento dos conflitos laborais». Ao sindicato deve ser atribuída a capacidade para ser parte, assim que constituído validamente. Mas, é necessário ter ainda a capacidade processual plena, que advém, não só do seu registo, mas de representação regular em juízo. A questão mais relevante, talvez, resida na sua legitimidade “ad causam” para actuar em prol dos direitos e interesses dos seus sócios.

O sindicato, além de actuar em causas em que estejam em jogo o seu interesse, deve estar habilitado a demandar como parte em prol dos direitos e interesses colectivos e individuais da categoria, independentemente de outorga de mandato por parte dos beneficiários de sua actuação. É o que ocorre nos litígios colectivos, na acção civil pública, nas reclamações no âmbito do direito do trabalho em que o sindicato substitui empregados parar fazer valer seus direitos a aumentos e correcções salariais, vantagens e benefícios estabelecidos em acordo e convenção colectiva, questões de salubridade e ambiente de trabalho, periculosidade e outros direitos e interesses colectivos e individuais homogéneos integrantes das profissões.

No ponto 6 do Documento de Consulta é sugerido o seguinte: «6. Para assegurar que a adesão das associações a organizações internacionais e a participação nas suas actividades estejam em conformidade com a sua finalidade, evitando o seu desvio e até o surgimento de situações que ameaçam a segurança do Estado, foi sugerido neste Documento de consulta que fosse necessária a fiscalização da respectiva matéria, concorda com esta sugestão?».

Qual o tipo de fiscalização, em concreto, que é sugerida neste ponto 6 do Documento de Consulta?

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) é uma das instituições especializadas da Organização das Nações Unidas para defender os direitos dos trabalhadores e para promover o desenvolvimento e a melhoria das suas condições de trabalho.

No âmbito da OIT são produzidas normas internacionais do trabalho, como a Convenção n.º 87 da Organização Internacional do Trabalho, sobre a Liberdade Sindical e a Protecção do Direito Sindical, que vigora na RAEM.

Tendo a constituição de sindicatos como fim defender os direitos dos trabalhadores e sendo a respectiva legislação objecto de acordos internacionais como é que o seu funcionamento pode criar ameaças como as referidas no ponto 6 do Documento de Consulta?

No ponto 7 do Documento de Consulta é sugerido o seguinte: «7. Foi sugerido neste Documento de consulta que as associações sindicais devem apresentar anualmente as contas e a demonstração financeira aos serviços competentes, para que estes fiscalizem a obtenção e a utilização do seu financiamento, concorda com esta sugestão?».

Sugerem-se dois tipos de fiscalização, a primeira no ponto 6 do Documento de Consulta, não é concretizada e na segunda, no ponto 7, que as associações sindicais devem apresentar anualmente as contas e a demonstração financeira aos serviços competentes, para que estes fiscalizem a obtenção e a utilização do seu financiamento.

Os sindicatos devem ser livres e independentes. A apresentação das contas referentes às quotizações constitui uma grave interferência no funcionamento interno dos sindicatos e um golpe na independência e ao livre funcionamento dos sindicatos. Os sindicatos por natureza são organizações sem fins lucrativos que subsistem das quotas sindicais pagas pelos associados. Os sindicatos têm interesse público e têm um papel fundamental na sociedade ao nível da valorização do factor de trabalho, da dignificação dos trabalhadores bem como na construção da democracia participativa e da justiça social.

A formação dos sindicatos deve ser sempre livre e independente do poder estatal. Isso significa que eles são constituídos conforme suas necessidades, porém esta formação e sua dinâmica de actuação devem estar previstas em seus estatutos. A principal missão dos sindicatos é lutar por melhor qualidade de vida dos seus associados, justiça laboral e remuneração condigna às funções que exercem para todos os profissionais da classe. 

Quanto maior for a liberdade sindical mais representativo será o sindicato e os trabalhadores estarão mais próximos dos sindicatos. Os sindicatos de trabalhadores e empresários devem ser fortes e representativos. Somente organizações realmente fortes são capazes de negociar responsavelmente e sem demonstrações desnecessárias de força. Somente organizações fortes podem induzir à cooperação e não ao conflito, ao aumento da produtividade e não ao desinteresse pelo trabalho. 

Os sindicatos exercem as suas funções sem fins lucrativos e só são efectivamente sindicatos se forem livres e independentes do poder estatal e grupos de empresariais. Desta forma, discordamos que haja qualquer tipo controlo directo e indirecto por parte das autoridades, para que os sindicatos se mantenham independentes e livres.

Conclusões:

Como já referimos, a principal fonte da liberdade sindical consiste nas convenções da OIT n.º 87 e 98. A primeira enuncia o princípio (ou regra) de que trabalhadores e empregadores, sem distinção e independentemente de autorização prévia e estatal, podem constituir organizações sindicais de sua escolha e a elas se filiar segundo a sua vontade, à condição apenas de se conformar aos seus estatutos. A segunda, assegura protecção adequada contra todos os actos de discriminação, tendentes a atentar contra a liberdade sindical em matéria de emprego.

De salientar que a Convenção n.º 87 garante, o direito de sindicalização a cada trabalhador (art. 2.º), e de cada sindicato promover e defender seus interesses e dos seus associados ou trabalhadores por ele representados ou substituídos (processualmente falando); a independência do sindicato em relação ao Estado (arts. 2.º, 3.º, 4.º e 7.º); o direito dos sindicatos de criar livremente suas estruturas jurídicas e de os trabalhadores aderir aos sindicatos de sua escolha.

A Convenção n.º 98 garante a protecção dos trabalhadores contra todos os actos discriminatórios, especialmente em matéria de emprego, garantindo também a autonomia sindical, vedando todos os actos de ingerência na criação, funcionamento e administração dos sindicatos.

Finalmente, somos de opinião, que na elaboração do futuro projecto lei sindical e negociação colectiva e direito à greve se tome como referência os oito projectos de lei apresentados no passado por deputados da Assembleia Legislativa após o estabelecimento da RAEM.

Eis, as nossas opiniões, na esperança de virem ser colhidas no futuro projecto lei sindical.

 

 

Associação dos Trabalhadores da Função Pública de Macau aos 14 de Dezembro de 2021

 

  

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