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INTERVENÇÃO ANTES DA ORDEM DO DIA

 

No dia 4 de Agosto de 2009, entrou em vigor, o novo regime das carreiras dos trabalhadores dos serviços públicos. Durante dezenas de anos e desde o estabelecimento da RAEM que o Governo foi criando grandes expectativas no seio da função pública de que a médio prazo seriam encontradas as melhores soluções para a resolução dos muitos e graves problemas que ainda hoje estão por resolver. E a Secretária para Administração e Justiça (SAJ), após muitos anos de estudos e análises apresentou finalmente um projecto lei sobre as carreiras que foi subsequentemente aprovado por esta Assembleia.

Na altura, como membro da Comissão de Acompanhamento para os Assuntos da Administração Pública contestei muito quanto às sucessivas violações ao Princípio para o mesmo trabalho mesmo salário. Alertei a SAJ para aproveitar a oportunidade aquando da apresentação do projecto lei, para proceder à uniformização e simplificação de algumas carreiras que continuavam na prática a criar grandes confusões e muitas dificuldades nomeadamente quanto à caracterização genérica do conteúdo funcional.

A SAJ, como de costume, ignorou o assunto. Assim, todos os dias, milhares de trabalhadores, são explorados duma forma aberta e pública, quando são obrigados ao exercício de funções correspondentes a categorias mais elevadas ou distintas da sua própria categoria. Por exemplo, milhares de trabalhadores com a categoria de assistente técnico administrativo (índice 195) nos variados graus são obrigados a exercer funções cujo conteúdo funcional enquadra-se na categoria de adjunto-técnico (índice 260) e também nos vários graus. Da mesma forma os adjuntos-técnicos (índice 260) são obrigados a exercer funções de Técnico de 2ª classe (índice 350).  

Durante dezenas de anos violou-se o Princípio para o mesmo trabalho mesmo salário. Hoje, dia 14 de Abril de 2010, continua a violar-se o mesmo princípio com o aval da SAJ que tendo prévio conhecimento dos abusos, continua a ser incapaz de por cobro estes abusos e violações.

A maioria destes trabalhadores, foram ao longo dos anos, confiando nas promessas da SAJ no sentido de elevarem as suas capacidades profissões, muitos participaram em cursos de formação contínua, palestras, conferências e seminários organizados pelos serviços dependentes da sua tutela. Os trabalhadores foram confiando, ano após ano no Governo que agindo na boa fé, haveria de ajudar a resolver os seus problemas profissionais nomeadamente a justa progressão nas suas carreiras profissionais de acordo com o tempo serviço prestado na função pública independentemente do seu vínculo laboral.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 14/2009 as esperanças da maioria dos trabalhadores foram quase totalmente defraudadas. A nosso ver, é urgente, rever de imediato, a referida legislação para acertos pontuais de modo a acabar com os abusos e repor a justiça nas carreiras da função pública.

Por outro lado, importante realçar que após mais de dez anos do estabelecimento da RAEM e as Convenções Internacionais de Trabalho n.ºs 98 e 87 se encontrarem em pleno vigor em Macau, a SAJ continua a não cumprir com o disposto do artigo 27º da Lei Básica quanto à subsequente necessária regulamentação. Não havendo regulamentação da legislação sindical, nem negociação colectiva, a função pública tem-se tornado num campo fértil para todo o tipo de abusos e exploração dos trabalhadores.

Neste momento, por exemplo, os trabalhadores têm de aceitar resignados o não pagamento de horas extraordinárias, imposição de trabalharem nos dias de descanso e feriados obrigatórios sem as devidas compensações, estabelecimento de horários especiais de trabalho à revelia do regime legal existente, a imposição do uso de “pager”  nos dias de descanso semanal com proibição de ausentarem da RAEM sem qualquer tipo de compensações, etc e etc.

Estes trabalhadores que são vítimas das explorações acima referidas, são obrigados a aceitar resignados esta triste situação uns aguardando tempo para aposentação e outros ainda alimentam algumas esperanças de que a médio prazo seja nomeada outra pessoa mais competente para assumir a pasta da Administração de Justiça.

Enquanto nada disto acontecer, os trabalhadores vão continuando, todos os dias a ser explorados. Resta contudo a esperança de que o novo Chefe de Executivo (CE) que também tem pleno conhecimento destas explorações, decida um dia (Dia da Ressurreição para os trabalhadores da função pública) assacar as devidas responsabilidades aos que abusam do poder público que detêm.

Até ao aparecimento desse dia, os trabalhadores das categorias mais baixas e da linha de frente continuarão silenciosos com medo de retaliações, porque estão dependentes da renovação anual dos contratos de trabalho que dum dia para outro pode por em risco a sua carreira profissional e afectar a vida dos seus familiares.

Aos que se atrevem a questionar estes problemas, ou são colocados na “prateleira” ou “frigoríficos” ou então instauram processos disciplinares por questões de “lana caprina” porque a SAJ que tutela o funcionamento interno e eficiência dos serviços públicos faz de conta que não tem nada a ver consigo.

Alguns trabalhadores explorados nos seus legítimos direitos atrevem recorrer aos tribunais para obterem a devida justiça. Os prevaricadores também sabem que muitos desistem de recorrer aos tribunais por os honorários dos advogados estarem foram do seu alcance financeiro. Mesmo que os tribunais venham a condenar as entidades oficiais, na prática nada lhes acontece porque ninguém está interessado em pedir responsabilidades. A autoria moral destes abusos vai continuar impune, porque em Macau, deve ser o único lugar no mundo democrático em que os principais responsáveis pelo funcionamento da máquina administrativa nunca têm assumir responsabilidades por erros no exercício das suas funções como Secretário.

Até parece que na função pública de Macau, a responsabilidade só existe para todos os trabalhadores com excepção da SAJ. Esta alta responsável pode cometer qualquer erro que nada lhe acontece. Enquanto a maioria dos trabalhadores das classes mais humildes estão sujeitos à maior das exigências e carga de trabalho e sujeitos a disciplina espartana.

Esta responsável máxima pela função pública, não deu bom exemplo e não serve como líder para a maioria da função pública, porque não optou pelo regime de previdência, quando devia ser seu dever, como responsável máximo da área, dar o exemplo optando por esse regime, se de facto, esse regime é muito melhor, como foi sempre “pregando” pelos serviços públicos.

Desta forma, no futuro, como pode a APM ter uma equipa de bons elementos e garantir que a estabilidade e qualidade dos serviços públicos com constante saída dos seus melhores elementos?

A atitude da SAJ faz-me recordar um famoso ditado de Andrew C. McCarthy publicado no “National Review” que dizia a propósito de ética profissional dos dirigentes públicos “Do As I Say, Not what I Do” que muito bem se aplica a tudo que acabei de referir.

 O Deputado da Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 14 de Abril de 2010.

 

 

José Pereira Coutinho

 

 

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