ATFPM DIRECÇÃO

JOSÉ PEREIRA COUTINHO

Deputado à Assembleia Legislativa e Presidente da Direcção da ATFPM

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INTERPELAÇÃO ESCRITA

 

 

No dia 10 de Fevereiro, a Direcção dos Serviços para os Assuntos de Tráfego (DSAT) e o Departamento de Trânsito do Corpo de Polícia de Segurança Pública (PSP) deram uma conferência de imprensa, para anunciarem a instalação de mais câmaras fixas de videovigilância nas estradas de Macau, bem como a utilização de dois automóveis e duas motos equipados com sistemas de videovigilância de trânsito, que já se encontram a circular.

 

Na conferência de imprensa foi referido que o aumento dos sistemas de videovigilância se destinava a “aplicar adequadamente o condicionamento de trânsito, escoar veículos, reduzir congestionamentos e auxiliar a organização de grandes eventos”, punir infractores no caso de acidentes de viação e que “algumas das imagens serão carregadas no site da DSAT, com o objectivo declarado de permitir com que os cidadãos conheçam a situação de trânsito sempre que quiserem, através de uma consulta da Internet.”

 

A utilização de equipamentos de videovigilância para controlar o tráfego constitui uma limitação ou uma restrição aos direitos, liberdades e garantias, por exemplo o direito à reserva da intimidade da vida privada, o direito à imagem e à liberdade de movimentos e estes direitos acompanham a pessoa independentemente do lugar onde se encontre, porque tanto a vida privada como a intimidade constituem direitos que merecem protecção mesmo em locais públicos.

 

O ordenamento jurídico da RAEM consagra o princípio da protecção jurídica da privacidade, desde logo, no artigo 30.º da Lei Básica que reconhece aos residentes de Macau o direito à reserva da vida privada e o artigo 74.º do Código Civil estabelece o direito à reserva sobre a intimidade da vida privada como um verdadeiro direito de personalidade, o qual é tutelado penalmente, entre outros, através dos artigos 184.º a 193.º do Código Penal.

 

O artigo 17.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos proíbe a intervenção arbitrária ou ilegal na vida privada das pessoas e nos termos do artigo 40.º da Lei Básica «os direitos e as liberdades de que gozam os residentes de Macau, não podem ser restringidos excepto nos casos previstos na lei» e tais restrições não podem contrariar o disposto no Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.

 

A Lei n.º 8/2005, relativa à protecção de dados pessoais, aplica-se, conforme estipula o n.º 3 do artigo 3.º «à vídeovigilância e outras formas de captação, tratamento e difusão de sons e imagens que permitam identificar pessoas sempre que o responsável pelo tratamento esteja domiciliado ou sediado na Região Administrativa Especial de Macau, doravante RAEM, ou utilize um fornecedor de acesso a redes informáticas e telemáticas ali estabelecido».

 

Tendo em atenção a problemática inerente à recolha, tratamento e conservação de dados pessoais foi reconhecida a necessidade de criar uma autoridade pública autónoma que exercesse a fiscalização e coordenação do cumprimento da execução da Lei n.º 8/2005, bem como pelo estabelecimento do regime de sigilo adequado e, assim, foi criado o Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais através do Despacho do Chefe do Executivo n.º 83/2007, cujo prazo de funcionamento como equipa de projecto foi recentemente prorrogado por mais três anos pelo Despacho do Chefe do Executivo n.º 6/2010.

 

O tratamento de dados pessoais, dados que identificam directa ou indirectamente uma pessoa pode, nos termos da Lei n.º 8/2005, ser autorizado por disposição legal ou disposição regulamentar de natureza orgânica.

 

Contudo, mesmo autorizado por lei o tratamento de dados pessoais, a recolha de imagens, tem que cumprir as outras disposições da lei, designadamente o artigo 5.º da Lei n.º 8/2005, isto é, sendo fundamental demonstrar, por exemplo, que essa recolha é pertinente, necessária e não excessiva.

 

Relativamente, por exemplo, ao objectivo da recolha de imagens servir para regular o trânsito sabemos que Macau tem uma dimensão muito reduzida, com ruas estreitas, muitos prédios e escassas alternativas ao escoamento do trânsito. Quem circule para certas zonas da cidade através, por exemplo, da Rua do Campo, da Avenida Almeida Ribeiro ou da Avenida Horta e Costa não tem praticamente vias alternativas. Por outro lado o número de veículos em circulação é elevado e há muitos semáforos e, naturalmente, o trânsito é lento. Assim não se vê como é que a recolha de imagens pode contribuir decisivamente para regular o fluxo de trânsito e reduzir congestionamentos. De qualquer forma regular o trânsito necessitará, sempre, da presença da polícia de trânsito nas ruas e a utilização, imprescindível, destes meios coloca a questão se a recolha de imagens é mesmo pertinente e necessária.

 

Estando prevista a ampliação constante da rede de câmaras ligadas às centrais existentes na DSAT e no Departamento de Trânsito da PSP, coloca-se também a questão importantíssima da possibilidade de interconexão das bases de dados e do acesso a dados pessoais por outras entidades.

 

Tendo em atenção o número exagerado de câmaras de videovigilância a instalar e dada a reduzida exiguidade territorial de Macau, inevitavelmente que foi colocada em causa a privacidade dos residentes nas habitações que se encontrem no enquadramento das câmaras.

 

Por tudo isso e tendo em conta que a utilização de sistemas de vigilância por câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança em locais públicos de utilização comum, para captação e gravação de imagem e/ou som e o seu posterior tratamento, mesmo que seja apenas para fins de controlo do tráfego rodoviário, colocam inevitavelmente em causa os direitos, liberdades e garantias dos residentes de Macau,

 

 

Assim sendo, interpelo o Chefe do Executivo sobre o seguinte:

 

 

1. Qual foi a entidade que autorizou a instalação das câmaras de videovigilância do tráfego rodoviário, bem como, a fundamentação legal dessa autorização e se houve uma autorização prévia do Gabinete para a Protecção de Dados Pessoais (GPDP)?

 

2. Qual é o regime jurídico aplicável à videovigilância do tráfego rodoviário, nomeadamente, quais são as condições e os procedimentos a adoptar na instalação das câmaras de vídeo fixas e portáteis, quais os procedimentos a seguir quando uma gravação registe a prática de factos com relevância criminal, qual o prazo máximo de conservação das gravações, quais as entidades, públicas ou privadas, que têm acesso às bases de dados e quais os direitos que os residentes de Macau têm numa eventual utilização abusiva dos seus dados pessoais?

3. Visto que as imagens captadas pelas câmaras de vídeo para controlar o tráfego rodoviário vão ser disponibilizadas em tempo real no sítio da DSAT, quais são os dados captados e tratados pelas câmaras de vigilância para fiscalização do tráfego rodoviário, qual a resolução dessas imagens e se esses dados captados pelas câmaras de vigilância permitem a identificação directa de uma pessoa física ou colectiva?

 

 

O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau, aos 24 de Fevereiro de 2010.

 

  

José Pereira Coutinho

 

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