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INTERVENÇÃO ANTES DA ORDEM DO DIA

 

 

No plenário de 14 de Dezembro de 2009 foi aprovado a lei relacionada com as «Limitações impostas aos titulares do cargo de Chefe do Executivo e dos principais cargos do Governo após cessação de funções» a partir da data em que cessam funções.

 

Esta lei como foi votada no referido Plenário na generalidade e na especialidade porque o Governo argumentou que o mandato do segundo Governo da RAEM estava quase a acabar e tornava-se necessário votar a proposta, num só plenário. Ou seja esta lei penal não foi analisada em sede de Comissão da Assembleia Legislativa.

 

Na altura, fiz uma pergunta que ficou sem resposta: qual a razão da Assembleia Legislativa ter sido obrigada a aceitar este procedimento para uma proposta de lei tão importante e complexa, apresentada a poucos dias da data em que deverá entrar em vigor, se o governo podia ter apresentado a proposta de lei com tempo para ser analisada em sede de Comissão.

 

Esta proposta, agora já uma lei, vai privar, ainda que temporariamente algumas pessoas que ocuparam cargos públicos de elevada responsabilidade de exercerem uma actividade profissional sem que lhes seja assegurado os meios de vida pode violar direitos fundamentais.

 

No que respeita à aplicação da lei, note-se que ela vai aplicar-se a pessoas que já iniciaram e que estão a terminar o desempenho dos cargos públicos o que põe em causa o princípio da segurança jurídica. Com efeito, quando essas pessoas aceitaram os cargos, elas não sabiam que depois iriam ser legalmente condenadas a uma situação de desemprego temporário sem garantia, sequer, de um subsídio substitutivo do ordenado.

 

Outra questão que se coloca é o facto de a lei proibir os governantes de revelar, mesmo em tribunal, informações confidenciais obtidas no exercício de funções. Ou seja, os governantes ficam livres do dever de colaborar com a justiça no apuramento de factos relativos à sua governação. O que se pretende esconder afinal?

 

A excepção proposta na Assembleia é insuficiente porque apenas se refere à defesa do ex-governante como arguido, mas não à defesa de outras pessoas, para as quais o testemunho do ex-governante poderia ser importante para a descoberta da verdade dos factos nos quais todos nós temos de colaborar subjacente ao Princípio da verdade material.

 

Penso que o ex-governante deve ter como princípio o mesmo dever de colaborar com a justiça como qualquer outro cidadão. Até se podia admitir e ser ponderada a possibilidade de o ex-governante prestar o testemunho à porta fechada e de a sua declaração ficar registada em documento com acesso restrito, mas não parece aceitável ele ser legalmente proibido de prestar tal testemunho.

 

Sobre a aplicação retroactiva da lei de uma forma generalista ela poderia entender-se com ressalva das normas sancionatórias. No caso das normas incriminadoras de carácter penal, isso resultaria directamente da Lei Básica (art. 29) e impor-se-ia obviamente na interpretação da disposição legal que eventualmente viesse a determinar a aplicação retroactiva da lei. Tratar-se-ia simplesmente de fazer uma interpretação sistemática da referida disposição legal, concretamente uma interpretação conforme com a Lei Básica.

 

Desta lei que foi aprovada poderiam ser aplicadas retroactivamente as disposições que não viessem restringir direitos, liberdades e garantias. Por exemplo, a norma referente à revelação de informações confidenciais ou reservadas poderia ser aplicada retroactivamente na medida em que conferisse ao ex-governante o direito de não prestar as ditas informações (legitimando retroactivamente a sua falta de colaboração com a justiça), mas não na medida em que lhe impusesse tal dever (não podendo, portanto, ilegitimar retroactivamente a sua colaboração com a justiça).

 

Defender, de modo algo generalista, a aplicação retroactiva de uma lei, que no meio contém normas sancionatórias, e vir a Secretária para a Administração e Justiça (SAJ), num aparte a uma intervenção de outro deputado, acusar um deputado de estar obrigado a saber que tal não é possível sem nada de novo e positivo acrescentar para o debate e para a melhoria da proposta, demonstra que apenas pretendeu fazer um ataque pessoal. Ainda por cima, no que toca a esta proposta de lei, quem fez mal o trabalho de casa foi obviamente a mesma SAJ.

 

Afinal como referiu um deputado esta lei, por enquanto, só se vai aplicar ao Ex-Chefe do Executivo Sr. Ho Hau Wah. Ora, se ele próprio assinou a proposta de lei e prometeu actuar em conformidade com ela valeu a pena estar a aprovar à pressa uma proposta de lei tão lacunosa, problemática e objecto de melhoramentos em cima dos joelhos como aconteceu no último plenário? Mais valia discuti-la com calma, aperfeiçoá-la e aprová-la mais tarde.

Se assim fosse, estaria esta Assembleia a cumprir o seu importante papel legislativo sério e rigoroso na produção de leis.  

 

 

 

O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 05 de Janeiro de 2010.

 

José Pereira Coutinho

 

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