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I NTERVENÇÃO ANTES DA ORDEM DO DIA

 

Este é o primeiro plenário, da quarta legislatura da Assembleia Legislativa (AL), pelo que aproveito, esta minha primeira intervenção, para desejar os distintos camaradas deputados, os meus sinceros votos, de muitos sucessos nesta legislatura que hoje se inicia, e as enormes expectativas que os cidadãos da RAEM depositam neste hemiciclo, para que esta legislatura seja realmente a legislatura mais produtiva de sempre.

Neste início dos trabalhos, não posso deixar de recordar alguns momentos históricos das recentes eleições para a Assembleia Legislativa de 2009, nomeadamente o sufrágio directo dos 12 lugares em disputa em que votaram 149.006 eleitores, correspondendo a cerca de 60% do número total de votantes. Estas eleições foram bastantes participadas com enorme afluência às urnas e demonstraram a vontade clara e expressa da população de escolher directamente os seus representantes. Pena foi o facto dos 12 lugares em directa disputa serem manifestamente insuficientes para satisfazer o interesse das listas concorrentes.

Escolhemos este assunto, porque até hoje, a sociedade em geral continua a comentar as várias facetas positivas e negativas do processo eleitoral da eleição dos deputados eleitos por sufrágio directo. De facto, desde o estabelecimento da RAEM, já lá vão cerca de dez anos, que o Governo, praticamente se “esqueceu” da existência do n.º 3 do Anexo II da Lei Básica que permitia alterar, em 2009 e nos anos posteriores, a metodologia para a constituição da Assembleia Legislativa, devendo as modificações ser feitas com aprovação de uma maioria de dois terços dos deputados à Assembleia Legislativa e com a concordância do Chefe do Executivo, devendo o Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional ser informado dessas alterações para efeito de registo.

Acontece que desde o estabelecimento da RAEM o Governo não tem sabido interpretar as aspirações da maioria da população que vem pedindo o aumento do número de deputados eleitos pelo sufrágio directo. O Governo, deitando “poeira nos olhos dos cidadãos”propôs, apenas, a alteração do regime legal do sistema eleitoral em matéria de corrupção eleitoral. Compete ao próximo Governo, exercer uma maior responsabilidade de avançar e contribuir para o evoluir do processo democrático, iniciando de imediato, o processo de auscultação da população, com a necessária calendarização, no sentido de aumentar o número de lugares de deputados eleitos pela via directa e reduzindo o número de deputados eleitos pela via indirecta e deputados nomeados.

Uma outra questão importante tem a ver com o facto de cerca de 100.000 mil eleitores não terem votado nestas eleições, para além doutras dezenas de milhares de pessoas que nem sequer se encontram registadas nos cadernos eleitorais. Estas centenas de milhares de pessoas que por diversas razões não são se encontram registadas nos cadernos eleitorais e as que nem sequer foram votar comprovam o fraco desempenho do Governo no âmbito da promoção da educação cívica dos cidadãos, a fraca ou quase inexistência divulgação informativa relacionada com eleições para a AL durante o ano, e a educação da população quanto ao cumprimento dos deveres cívicos e o aumento ao apego, sentido de pertença e amor a Macau.

Outros factos relevantes ocorreram nestas eleições para a Assembleia Legislativa (AL) e que merecem ser realçados e que foram alvo de reprovação generalizada por parte da população. Destaco primeiro lugar, a intromissão abusiva do Governo nas eleições ao favorecer algumas listas concorrentes e prejudicando outras com a divulgação de notícias quanto à reunião dos familiares residentes no interior do continente com parentes residentes em Macau e a divulgação do início do recebimento dos pedidos para o arrendamento das casas sociais. O Governo violou directamente o dever de neutralidade que deveria subsistir e ninguém do Governo até hoje pediu ou teve de assumir quaisquer responsabilidades por estas violações.

Também a 72 horas do acto eleitoral, a Secretária para a Administração e Justiça, sem pudor, intrometeu-se na campanha eleitoral reunindo com o pessoal da sua tutela, bem como dos Serviços de Saúde (SS) e Direcção dos Serviços de Turismo (DST) invocando directa e indirectamente assuntos relacionados com os Programas Políticos de uma das listas concorrentes, tentando prejudicá-la com promessas de melhoramento da situação profissional da maioria dos trabalhadores, quando nos últimos nove anos, quase dez, raramente se lembrou de reunir com esse pessoal por sua própria iniciativa. Desta forma quebrou-se o dever de neutralidade que deveria existir por parte do governo, e que é exigido para a maioria dos trabalhadores da Administração Pública de Macau (APM). A ilustre Secretária deveria ter a noção que qualquer actividade promocional durante o período da campanha eleitoral, principalmente a escassas horas do acto eleitoral, afectaria, injustamente, algumas listas participantes tendo demonstrado uma nítida falta de ética profissional para além de ser imoral. Mais uma vez ninguém pediu responsabilidades ou talvez a ninguém quer intrometer-se em assuntos quanto estejam envolvidos altas individualidades que podem praticar as maiores barbaridades sem que tenham de prestar contas perante a sociedade. Uma grande maioria dos trabalhadores da Administração Pública ficou revoltada com estes comportamentos principalmente quando provenientes de um alto governante. Enfim um triste episódio que merece esquecimento.

Mas mais factos mancharam as recentes eleições, por exemplo no dia das eleições foi muito difícil encontrar um táxi, um meio de transporte público concessionado pelo Governo, por muitos deles, terem estado muito mais preocupados em transportar em exclusivo os trabalhadores de algumas concessionárias do Jogo. Quanto a esta questão tanto a CAEAL como a Direcção dos Serviços para os Assuntos do Tráfego (DSAT) até pareciam que tinham deixado de existir no dia das eleições. Simplesmente desapareceram do mapa e posteriormente e até hoje ignoraram estes factos. Estas entidades até hoje não tomaram as necessárias diligências para apurar as irregularidades e assacar as eventuais responsabilidades. Viveu-se no dia 20 de Setembro, um dia de impunidade, onde praticamente valeram todos os meios para atingir o fim.

Outra situação escandalosa, teve a ver com demora na divulgação oficial dos resultados finais, que, para além de criar uma clima de ansiedade no meio social, originou uma enorme suspeita de eventual viciação do resultado final do acto eleitoral, criando uma imagem bastante negativa de Macau, quer a nível interno quer a nível internacional em como o Governo trata os assuntos eleitorais como assuntos de “lana caprina”. E o problema fundamental teve a ver com o aparecimento pela primeira vez na história de eleições em Macau de cerca de 6.500 votos nulos.

Os milhares de votos nulos, trouxeram, para os cidadãos de Macau, uma grande surpresa e a maior surpresa, foi o facto da Assembleia de Apuramento Geral (APG) ter tomado a decisão de validar a maioria votos nulos mediante complementos aos critérios fixados, anteriormente, pela Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL). Contudo, e em curto espaço de tempo o Tribunal de Última de Instância (TUI) em observância ao princípio da legalidade, e de acordo com critérios legais previstos na lei eleitoral, voltou, novamente, a considerar nulos a maioria dos votos validados pela APG, dando por encerrado o “problema” criado pela APG.

Este e todos os outros episódios que ocorreram antes, durante e depois da eleições deveriam merecer uma profunda reflexão por parte dos nossos futuros governantes para que os assuntos eleitorais sejam tratados de uma forma mais atempada, séria, responsável, rigorosa, coordenada, e bem programada e com uma estrutura a tempo inteiro e permanentemente dedicada aos assuntos eleitorais. A CAEAL foi uma comissão estilo “ad hoc” constituída à última da hora, sem tempo necessário e suficiente para executar tarefas extremamente importantes e que deviam merecer maior respeito e responsabilidade por parte do Governo.

Convém não esquecer que cerca de cem mil eleitores, muitos deles jovens, não foram votar por diversas razões entre as quais destacamos a deficiente e tardia divulgação do processo eleitoral, a tardia constituição do CAEAL, o elevado número de votos nulos, a falta de coordenação e sistemática educação cívica e política por parte dos serviços públicos com responsabilidade nestas matérias, (IACM) resultando principalmente no desinteresse dos jovens. Também contribuiu a quase inexistência de reportagens televisivas integrais directamente relacionados com assuntos da Assembleia Legislativa e a eliminação do envio aos cidadãos, por correio, dos programas políticos das listas concorrentes.  

A necessidade do gradual aumento da informação pública sobre as questões políticas quer por via dos meios de comunicação social principalmente pela estação pública de televisão, quer via internet e a subsequente elevação dos conhecimentos por parte da sociedade em geral, implica a existência, de uma estrutura permanente com competências e responsabilidades relacionadas com as diversos tipo de eleições quer relacionadas com a eleição do Chefe do Executivo quer para os cargos de deputados eleitos pela via directa e indirecta.

Nesse sentido, tendo em conta o aparecimento pela primeira vez de mais de 6.000 mil votos nulos, a falta de tempo e de preparação bem como a adequada formação do pessoal adstrito ao CAEAL e APG, o Governo deveria ponderar a criação de uma estrutura permanente com responsabilidades e competências directamente relacionadas com as eleições dos vários cargos políticos.

Finalmente, a TDM como estação pública, tem o especial dever de divulgar programas de educação cívica e política designadamente transmitindo na íntegra quer em directo quer em diferido todos os plenários e as reuniões das diversas comissões desta Assembleia Legislativa.

Desta maneira, evitar-se-ia muitas das críticas que têm vindo a aumentar na sociedade em geral, da eventual censura e escolha selectiva de notícias praticadas por orientação e instruções verbais dos responsáveis do Conselho de Administração da estação pública de televisão. Estes altos responsáveis da TDM, deviam cumprir com maior rigor o dever de não intromissão e o respeito à independência dos jornalistas no seu direito de informar os acontecimentos sem qualquer tipo de pressões. Com isto quem fica a ganhar é a população de Macau que passa a ter acesso integral e não selectivo e editado das notícias informativas desta Assembleia Legislativa. Faço lembrar que a deficitária estação pública de televisão só existe e funciona porque se encontra na quase total dependência do erário público. Os profissionais que nela trabalham, merecem por parte dos altos responsáveis da estação pública, muito mais respeito pelo trabalho e sacrifício que lhe são exigidos no dia-a-dia do seu trabalho, muitas vezes em condições e situações extremamente difíceis, num reino de tanta fartura financeira.

 

O Deputado à Assembleia Legislativa da Região Administrativa Especial de Macau aos 29 de Outubro de 2009.

 

José Pereira Coutinho

 

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